Odete Soares Rangel
Camilo Pessanha é considerado o mais verdadeiro representante do simbolismo português. Ele destacou-se, sobretudo, pela qualidade rítmica e musical dos seus versos, aproximando-se de Verlaine. Introduziu novas propostas de linguagem literária, nas quais, o poder sugestivo da palavra, o uso da metáfora, do símbolo e dos processos rítmicos inovadores desenharam o estilo de uma época. Publicou, em vida, apenas um livro de poesias, “Clepsidra” (1920). Sua poesia manifesta uma calma e melancolia resignadas, por vezes um pessimismo, aliado ao sentimento do fluir do tempo e da inutilidade dos esforços humanos.
Síntese da crítica de Paulo Franchetti em “Clepsidra”
Esta síntese é o resultado do meu entendimento sobre a leitura da obra.
No “quase prefácio”, Vera Vouga dá um panorama sobre a edição crítica de Clepsidra escrita por Paulo Franchetti em sua tese de doutoramento. Este achava insustentável e abusiva a revisão de João de Castro Osório.
A referida edição surgiu da necessidade de deixar transparente a obra, eis que as edições vigentes não revelavam a verdade absoluta sobre o autor e a obra, o leitor era induzido ao erro e a falta de interesse na leitura.
A intenção de Franchetti era escrever um ensaio sobre a poesia de Camilo Pessanha no quadro do simbolismo europeu. Entretanto, na medida em que aprofundava seus estudos, constatou problemas nas edições vigentes. Decidiu, então, fazer a edição crítica citada.
A obra compõe-se de três partes:
I) Introdução, contendo a apresentação da história das edições da poesia de Camilo, à descrição do conjunto de testemunhos, à exposição dos critérios que nortearam a escolha de cada lição;
II) Conjunto dos textos poéticos;
III) Anotações e comentários informativos e a listagem das variantes. Ao final, segue a bibliografia, em apêndice, a lista dos autógrafos conhecidos e a relação dos poemas publicados em vida.
Os poemas de Pessanha foram publicados avulsos em vários jornais de Portugal e Macau.Em 1920 - Edição “A” - com 30 poemas: por iniciativa de Ana de C. Osório, Clepsidra foi editada em Lisboa, única em vida do autor. Depois da morte dela, seu filho João Osório incorporou para si a tarefa e buscou atualizações da obra, pois segundo ele novos e inéditos documentos iam sendo revelados;
Em 1945 - Edição “B” – com 41 poemas: Publica-se, então, a 2° edição do livro, com o título de “proparoxítono de Clepsidra” incluindo 11 novos poemas;
Em 1956 - Edição “C” – com 41 poemas: nessa data foi republicada, com o mesmo título;
Em 1969, Edição “D”- 56 peças: surge uma quarta edição que se apresenta como definitiva e inclui poemas não integrantes da edição anterior, além de outros textos em prosa e verso, algumas anotações de variantes e textos e comentários da autoria do organizador da obra. As reedições pela Ática, após a morte de João Osório, eliminaram parte dos textos por ele escritos.
A partir dessa, surgiram as demais edições, umas mal transcritas, outras bem elaboradas, mas que seguiam textualmente as lições e leituras de Osório. Entre elas, incluem-se a de Antonio Quadros e Bárbara Spaggiari. Antonio Quadros aglutinou toda a obra de Pessanha em sua edição, objetivando igualá-la a 1° , haja vista que as demais são de João Osório e deixavam a desejar na opinião dele. Pelo que percebi no decorrer do livro, essas contém informações manipuladas que não correspondem à realidade. A edição de Spaggiari carece de complementações de informações, não esclarecendo pontos dúbios nas de João Osório. Ambas pouco contribuíram para as edições dos Osórios.
A partir da necessidade de um texto crítico sobre as edições de Osório, Franchetti decidiu investigar a história e a evolução dessas, tentando apresentar um claro juízo de valor sobre o seu sentido e responsabilidade. Reordenou, numerando os poemas, mas foi a única mudança, pois, o texto permaneceu igual ao de 1969.
Edição de 1920 – composta de 30 peças, um poema isolado “Inscripção” mais 15 sonetos, depois 13 poemas e ao final um outro poema isolado, sob o título “Final”.
Edição de 1945 – João Osório acrescentou 11 poemas (7 sonetos e 4 poesias) aos que constaram da edição anterior e reordenou o livro como um todo, atribuiu títulos a dois poemas de “A” e a dois outros que acrescentou.
Edição de 1969 – ele acresceu mais um soneto e cinco poesias, duas das quais agrupadas a um poema já existente, para formar o Roteiro da Vida. Reordenou os poemas, nomeou quatro deles que vinham sem título da edição “A” nas edições anteriores. Ele também excluiu o poema “Lúbrica” para uma secção que intitulou “outros Poemas”. Essa é composta de:
I) Poemas iniciais com 4 textos;
II) Poemas de Ocasião e Fragmentários com outros 4 textos;
III) dois sonetos de Satírica Imitação.
O livro que recolhia a obra poética de Pessanha passou a conter 56 peças e a chamar-se, Clepsidra e outros poemas.
Com relação à origem dos textos que originaram a Clepsidra de 1920, podemos dizer que a “edição de A” continha 18 poemas em manuscrito autógrafo de Camilo e uma transcrição. Um dos poemas revela a data de 15 de Janeiro de 1916, podendo esta referir-se ao primeiro texto ou ao conjunto da obra.
Do total de 30 poemas da 1° edição desconhecia-se a origem de 11. João Osório declara numa nota explicativa da segunda edição, que o soneto “Estátua”, e as poesias “Crepuscular e Interrogação” foram recolhidos de um jornal e aprovadas pelo autor para inserção no livro, pois não havia autógrafos deles, e que o restante da edição A, teria sido confeccionado sobre autógrafos.
Entretanto, no “Novo comentário da 2° edição” ele se contradiz quando afirma que o soneto “Ó meu coração” não fora escrito para ele. Tinha-o copiado de um autógrafo de Pessanha ao filho de um amigo seu.
Também se contradiz numa secção do texto introdutório a D, no poema “O meu coração desce”, que fora dado ao poeta Alberto Osório de Castro, o qual lhe teria fornecido para copiá-lo quando colecionou e ordenou a Clepsidra. Assim, esse não fora escrito para “A”. Sobre esse mesmo poema, disse ele num comentário “Foi-me também ditada por Camilo Pessanha esta sua breve poesia”.Além das três diferentes origens para a lição do poema em A, há um fato novo de que Pessanha teria lhe ditado poemas, entretanto, verifica-se pelas notas que somente na edição de 1969, ele diz que o poeta lhe ditara poemas. Porém seus equívocos são tantos, que essa situação pode não corresponder à verdade.
Paulo Franchetti tenta resumir o que tem por verdade absoluta sobre os poemas da edição “A”. Os poemas foram colhidos de várias fontes, “Estátua, Interrogação e Crepuscular” recolhidos de um jornal. Dos oito restantes, alguns parecem ter vindo de jornais colecionados pela família de Castro; outros publicados a partir de cópias de manuscritos que Pessanha enviara a amigos.
O que verifica-se dos comentários de Franchetti nos 8 poemas, é de que carecem de credibilidade as fontes indicadas por João de C. Osório, eis que não são provadas documentalmente, além de ele se contradizer em algumas situações.
A seguir temos a visão de Franchetti, sobre a origem dos textos acrescentados na Clepsidra de 1945 e 1956. Os 11 poemas inseridos em “B”, vieram também de fontes diversas. Diz Franchetti “... são os sonetos que não constavam de “A”: os três que foram o conjunto em “B” denominado Caminho; o díptico intitulado em B são Gabriel; os que começam por “Á flor da vaga, o seu cabelo verde,” e “Desce por fim sobre o meu coração”. Em relação às poesias, os novos textos são : Lúbrica, “Enfim levantou ferro...” ; Viola Chinesa; “porque o melhor enfim”.
Para compor a edição “B”, Osório tinha apenas dois autógrafos - “Lúbrica e Enfim levantou ferro”- os quais não foram localizados. As outras peças vieram de revistas e jornais, ou de cópias manuscritas enviadas por terceiros, de autógrafos ou publicações cujo editor não tivera acesso.
De órgãos da imprensa foram coletados os poemas: “ Porque o melhor enfim...”; da Seara Nova (24/8/1940); “Desce enfim...”, da Revista de Portugal (Nov/1940) ambos publicados por Carlos Amaro a quem pertenciam os manuscritos autógrafos; “À flor de vaga...”, do periódico “O Portugal” (29/4/1900). Os seis restantes chegaram a João Osório por cópias manuscritas.
A Clepsidra de 1969 surge sob o título “Clepsidra e outros poemas”, com mais um soneto e quatro poesias. O soneto é o que lá se intitula Madalena, e as poesias são: Vida; as 2° e 3° partes do Roteiro da Vida; um poema que Osório denomina de Água Morrente e o poema intitulado Branco e Vermelho. Desses, Pessanha, em 1916, referiu-se apenas a este último. Os demais foram descobertos posteriormente a B, sem qualquer menção anterior por parte de Osório.
Os poemas “Madalena, Água Mormente, Vida e Branco e Vermelho”não eram inéditos, eis que foram publicados antes da edição de 1945. e João Osório apenas os transcreveu alterando a origem da publicação. Já os fragmentos que originaram Roteiro da Vida constavam do caderno de Pessanha, hoje no arquivo histórico de Nassau.
João Osório defendia a edição de 1969 como definitiva, um poema uno, com início e fim de intensa e profunda explicação psicológica.
No que se refere à ordenação da “Clepsidra” por Osório, ele diz que se embasou nas notas acrescentadas aos autógrafos de 1916, e observadas por ele em 1920 e sugeria como base para as alterações de ordem do livro de 1945, e uma lista de poemas que faltava recolher para a Clepsidra (de 1920).
Osório diz que a lista de poemas – sonetos e poesias, fora elaborada por Pessanha quando regressou a Nassau para a edição de 1945. Das exposições desse editor, Franchetti concluiu que, a informação a respeito da divisão do livro em poemas indicados e não-indicados pelo autor para compor a obra, não pode ser aceita. Se crível, deveriam ser deslocados do corpo do livro para a secção dos não-indicados, os textos da edição de 1969, “San Gabriel, Caminho, Água morrente, Vida e Roteiro de Vida”.
O editor é ambíguo, pois diz “ ainda nas vésperas do seu embarque estabeleci com ele uma lista de poemas que me faltava recolher”. Verdadeira ou não, a referida lista não foi localizada nos papéis na Biblioteca Nacional. Camilo de fato fez uma lista de poemas em 1916, da qual hoje resta apenas um fragmento. Fora escrita no verso de uma dedicatória, ou melhor, de uma procuração versificada e colada à contracapa da edição de 1920. Franchetti afirma que a lista descrita por Osório não existe junto aos documentos na Biblioteca Nacional, pelo menos não no formato que ele indica.
Franchetti concluiu que é falaciosa a afirmação de Osório quanto à ordenação do livro em “A,B,C ou D” conforme a vontade do autor, pois esse não separara as poesias dos sonetos. Pode-se imaginar que Osório tenha tentado recuperar , quando da edição de B, as informações de que dispunha e as tivesse atribuído ao autor.Assim, por exemplo, entenderíamos como o soneto Madalena passara a poesia com refrão.
Real ou não a história da lista, não se pode concluir pela procedência do que defendia Osório, de que a sua ordenação de Clepsidra, edição de 1969, correspondia fielmente à intenção do poeta.
Com relação aos autógrafos para a Clepsydra de 1920 e alterações para a de 1945, Osório atribui à vontade de Pessanha a divisão em sonetos e poesias. Mas o que fica provado é que ele e a editora da 1° edição desrespeitaram as únicas indicações de seqüência que o autor deixara registradas nos autógrafos de 1916. A tal indicação, Osório fizera menção uma única vez e de forma falaciosa. João e Ana Osório intitulavam-se os únicos detentores da herança literária de Pessanha.
Para Marchetti, todas as declarações de Osório sobre a intenção de Pessanha que teria seguido fielmente, podem ser colocados em dúvida. As mudanças na ordenação do livro devem ser creditadas a sua exclusiva responsabilidade, devendo-se, buscar uma nova ordenação dos poemas, conhecidos de Pessanha.
As reordenações de Clepsidra de 1945 e 1969, não merecem credibilidade.E a de 1920, obedeceu à vontade de Camilo? O autor enviara a Ana uma carta na qual agradece a publicação, disposição e ortografia da obra, não há precedentes de que ele tenha participado da ordenação. Ana, numa entrevista ao Diário de Lisboa, coloca Pessanha como um poeta sem atividade de escrita, ditando-lhe os poemas. Mas ao contrário, ele publicava em jornais e revistas e distribuía autógrafos.
Os poemas que abrem e fecham o livro seguem as orientações de Pessanha, porém os que intermeiam a obra e sua ordenação em duas partes, não há como afirmar que tenham sido embasados na vontade do autor. Pelo menos na ordenação de alguns poemas, na Clepsidra de 1920, está provado que a vontade fiel do poeta, expressa nas indicações de conjunto e sequência presentes nos autógrafos, não foi obedecida.
Franchetti defende que o conjunto de todos os poemas deva ter o mesmo nome da edição de 1920 e propõe uma nova ordenação dos documentos.
Franchetti esforçou-se para eliminar as intervenções não justificadas dos editores como a normalização da métrica de Pessanha, a eliminação de possíveis cacófagos, a pontuação dos versos e a supressão ou adição de nomes aos poemas. A poesia Madalena, por mim analisada, foi um dos poemas que recebeu título pelo editor. Havendo conflito entre o autógrafo e o publicado por Osório, Franchetti coerentemente buscou modificar o texto deste, ainda que esse alegasse autoridade de editor para justificar sua correção.
Franchetti utilizou-se de todas as fontes existentes (edições, manuscritos autógrafos, caderno com manuscritos autógrafos e recortes de poemas publicados, manuscritos autógrafos dispersos, poemas publicados em jornais e revistas, textos publicados postumamente) e para sua análise, o que fez com propriedade.
Franchetti aceita integralmente o texto dos manuscritos de 1916, o poema “Foi um dia de inúteis agonias” foi por ele pontuado. Também acrescentou notas explicativas sobre os autógrafos.
No Arquivo Histórico de Macau, há o caderno de Pessanha. Um bloco de folhas de almaço sem pauta, com a marca dágua “Prado Thomar”, medindo 21,5 por 29,5 cm, encadernadas numa capa feita com papel oleado de um verde muito escuro, presa por dois ilhoses. Hoje ele tem 14 folhas, mas certamente outras haviam e se dispersaram, a exemplo da que continha o fragmento “Enfim, levantou ferro” que pertenceu a Carlos Amaro.
Franchetti registra que alguns dos textos do caderno foram corrigidos e aperfeiçoados. Ele priorizou o texto de 1916 em detrimento de outros. Todos os textos integram a Clepsidra, mas nem todos têm equivalente manuscrito em 1916.
Fica evidente o prejuízo para a obra, da distribuição informal dos poemas de Pessanha, assim como a má formatação ou não formatação de poemas definitivos.
Os poemas publicados em vida do autor não foram poucos. Muitos foram colhidos diretamente dos periódicos para as edições dos Osório.
Dos poemas “Branco e Vermelho, Porque o melhor enfim e Desce enfim sobre o meu coração” Franchetti não localizou os autógrafos que os teriam embasado sua publicação por Osório.
Franchetti não considera seu trabalho uma obra acabada, mas acha difícil que um novo conjunto venha a ser compilado em virtude do tempo transcorrido. Entretanto, espera que surjam fatos ou textos novos que motivem outro documento que venha a público.Às paginas de n° 76 a 78, ele enumera e comenta os textos que se perderam no todo ou em parte.
O poema “Ó Magdalena, ó cabelos de rastos” foi publicado pela primeira vez em O INTERMEZZO – Jornal de Arte, 3, 2° série, intitulado “soneto” e composto em Coimbra. Daí o colheu João Osório que o incluiu na edição D (não constou em A/B) dando-lhe o título de “Madalena” e alterando a pontuação.
Análise do poema
Ó Madalena, ó cabelos de rastos
...e lhe regou de lágrimas os pés,
e os enxugava com os cabelos da sua cabeça.
Evangelho de S. Lucas.
Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Lírio poluído, branca flor inútil,
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,
INTERPRETAÇÃO DA I ESTROFE:
O “Ó” denota importância a frase, “cabelos de rastos” são cabelos longos que deixam rastos por onde Madalena passa e que tem utilidade, nesse caso secar os pés de Jesus;
“lírio poluído” representa o pecado dela e “branca flor inútil” que ela não serviu para embelezar o ambiente, além da preferência que Camilo tinha pela cor branca;
sentimentos sem valor, não podiam ser trocados por nada;
na última linha, significa sem destaque, escrita com pouco valor.
De resignar-se torpemente dúctil,
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
Ensangüentado, enxovalhado, inútil,
INTERPRETAÇÃO DA II ESTROFE:
Na linha 1°, Madalena renunciava a desonestidade flexível;
na 2°, ela pode estar descontente por não ter sido mãe;
na 3°, existiria alguém capaz de ser como ela;
Madalena com nome manchado, mal falada, inútil pode referir-se a sua vida sem sentido, sem grandes feitos.
Dentro do peito, abominável cômico!
Morrer tranquilo, - o fastio da cama.
Ó redenção do mármore anatômico,
INTERPRETAÇÃO DA III ESTROFE:
Na 1° linha, sentimento tão odioso que chega a ser cômico;
Na 2°, desejo de morrer em paz, sem o peso dos pecados que lhe foram perdoados e livrar-se da maldição da carne que se concretiza na cama;
Na 3°, a sepultura seria o meio de purificação para ela.
Amargura, nudez de seios castos,
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!
INTERPRETAÇÃO DA II ESTROFE:
Na 1° linha, angustiada por não ter se realizado como mãe;
Na 2°, do que ela foi, só sobrou desventuras;
Na 3°, Madalena salva tornou-se importante, assim como seus cabelos que contribuíram para esse fato. As frases iniciais e finais são semelhantes, entretanto na primeira não havia a exclamação desta última significando uma admiração, enlevando essa mulher que transformou-se.
Entendi que a edição crítica de Paulo Franchetti trouxe enorme contribuição para a literatura portuguesa. Pois até, então, as edições de Clepsidra, apesar de pouco questionadas, eram recheadas de distorções, equívocos, alterações não autorizadas, informações suprimidas ou, ainda, adicionadas sem comprovação da fonte de origem e vontade do autor. Ao que parece, os editores manipulavam as informações, de acordo com sua visão e autoridade que diziam ter sobre a herança literária do autor.
Ele mostra ao leitor a importância de ser crítico com o que se lê, pois nem tudo pode ser considerado bom e fidedigno. Fica claro também, a necessidade de se registrar as fontes de pesquisa, não apropriando-se de informações que não são nossas e que poderão vir a ser reveladas por outrem.
Outro fator importante é pesquisar o assunto até esgotá-lo antes da publicação, assim evitar-se-iam os equívocos e abusos cometidos pelos editores dessa obra.
Percebi que nas edições de 1920 até 1969, a obra sofreu várias transformações. Textos inéditos existiriam, porém tais documentos nunca vieram a público, então João Osório passou a mencionar supostos diálogos com Pessanha. Desses, nada se comprovou e do que existe a ser consultado no espólio de Pessanha na Biblioteca Nacional, não só não abona as teses de Castro Osório, como as desautoriza por completo. Dessa forma, esse editor extrapolou no seu poder de decisão desconsiderando a vontade do autor.
É óbvio que a contribuição dos Osório na publicação e conservação da obra de Pessanha, não pode ser negado. Isso, porém, não lhes autoriza manipularem influências e informações visando manter a exclusividade dos direitos sobre a obra de Pessanha.
Segundo Franchetti atribui-se a eles, o extravio de alguns documentos, como por exemplo, umas tantas poesias em "forma definitiva", que Pessanha enviara em 1907 a Alberto Osório de Castro e que já não pareciam existir quando da edição de 1920. Isso demonstra o descuido com tais documentos e segundo nos parece, estariam os editores preocupados em editar o livro, e não com a verdade nua e crua que devia ser passada ao público.
Não há registro da participação de João Osório, na primeira edição da Clepsydra, atribuindo-se esta tão somente a Ana Osório. Vejamos o que ela responde a um repórter quando entrevistada. Ela dá a entender que Pessanha não exercia a atividade de escrita, o que ficou provado por Franchetti não ser verdadeiro.
“-- Foi V. Exª que o forçou a publicar, não é verdade?
Sim, fui eu. De há muito conheço Camilo Pessanha. É um verdadeiro poeta e um verdadeiro sonhador. Mas é também um tímido e um misantropo. Camilo Pessanha nunca escreveu um só dos seus versos. Compõe-nos nas suas horas de inspiração, e guarda-os na memória. Só consente em dizê-los às pessoas de mais intimidade. Há tempos, tendo eu ouvido alguém recitar versos seus, deturpando-os e truncando-os sem piedade, pensei que era absolutamente necessário reunir num volume algumas das suas melhores poesias. Então, sem dizer ao poeta os meus planos, pedi-lhe que fosse ditando versos seus, pois queria guardá-los num caderno. Camilo Pessanha ditou-me algumas belas poesias. E foi assim que nasceu a Clepsidra.”
Quando se publica a segunda edição, aumentada, da Clepsidra, João de Castro Osório reivindica seus direitos sob a alegação de ter salvado a poesia de Pessanha; reivindicação essa que ganha corpo quando da edição de 1969, como base dos argumentos para dar por encerrados os trabalhos de estabelecimento dos textos e fixação da sua ordem dentro do livro. Porém, pelo trabalho de Franchetti fica provado que ele desrespeitou a vontade do autor na ordenação do livro.
O rigor e a confiabilidade dos registros dele com os textos de Pessanha deixou a desejar, assim como a manipulação da verdade e informes em proveito próprio.
Falhou João Osório ao não corrigir nas suas edições, transcrições errôneas da primeira, ao adicionar títulos aos poemas que não foram dados por Pessanha, na má transcrição de alguns versos, na supressão de informações contidas nos autógrafos ou distorções destas. As contradições desse editor, mostradas por Marchetti no decorrer de sua crítica, põe em dúvida não só esses pontos polêmicos, mas a obra como um todo.
Entendemos, que apesar da grandiosidade da obra de Franchetti, ele também falhou em alguns aspectos, uma vez que adotou a lição da edição de 1969, apenas registrando os erros em notas de rodapé ou comentando-os, quando poderia tê-los corrigido diretamente nas poesias.
Também não se certificou de que todos os textos do autor estejam inclusos nessa obra, e mais, diz ele que alguns textos se perderam no todo ou em parte, porém conseguiu recuperá-los.
Ele também não esclareceu a alteração feita no nome da obra, sendo que Pessanha tinha inclusive grifado o “Y” de Clepsydra, portanto essa devia ser à vontade do autor. Embora a grafia correta para “relógio de água” seja Cepsidra, talvez por isso a alteração.
Enfim, ele critica as edições anteriores, trazendo dados importantes, mas registra seu desejo de que outras edições se concretizem para esclarecer pontos obscuros que ainda não puderam ser elucidados.