Fonte: própria autora.
Quando visitei João Pessoa, fiquei encantada com a riqueza cultural e histórica da obra Reinado do Sol (2008), de Ariano Suassuna, pintada com maestria pelo artista paraibano Flávio Tavares. Ela está localizada na entrada do auditório da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes, em João Pessoa, no estado da Paraíba. Num primeiro momento, e sem conhecer a história da cidade, fiquei extasiada admirando o painel, sem entender exatamente qual narrativa o descrevia. Era muita informação, e por mais que parecessem quadros e imagens isolados, eles se integravam formando a obra. Após muitas pesquisas, percebi que ela me possibilitava múltiplas leituras, assim, foi imprescindível dedicar um tempo extra, admirando-a para poder captar os detalhes mais importantes. A ligação entre os elementos acaba por contar a história toda.
O painel, pintado em óleo sobre tela, composto por cinco blocos, mede 3 metros de altura por 9 metros de comprimento. O artista demorou cerca de 2 meses para concluí-lo, com um resultado impressionante, dado a multiplicidade de elementos, plasticidade da obra, história cultural narrada, tudo isso resumido numa estética visual intrigante e encantadora. Parabéns, Flávio, pela sua criatividade e conhecimento aplicados nessa belíssima criação, com tanta simbologia evidenciada.
“O painel em detalhes – Do lado esquerdo do painel, está retratada a praia do Cabo Branco, passando pelo Varadouro e lembrando, à direita, o Jacaré. No centro do quadro, Tavares pintou uma grande nau, atracada dentro da cidade, comandada por nada mais nada menos que Ariano Suassuna. Essa composição, segundo o artista, lembra a tradição dos velhos carnavais pessoenses – Nau Catarineta. Na parte central inferior do painel, há uma mesa com vários elementos que simbolizam a antropofagia como opção do povo digerir a própria cultura e história.” (http://www.joaopessoa.pb.gov.br/painel-de-flavio-tavares-compoe-a-estacao-ciencia/)
A riqueza cultural dessa obra é gigante, vai além dos registros históricos e geográficos do Estado da Paraíba e da sua capital (conquistas, etnia, elementos naturais e arquitetônicos). A literatura presente na mesa inspirada em Oswald de Andrade, com o banquete da antropofagia, na alusão à Jangada de Pedra, de Saramago, representando a Península Ibérica e renomados e ilustres escritores paraibanos, como Ariano Suassuna, José Lins do Rêgo e o poeta Caixa D’Água, são os grandes personagens comandando essa "nau" chamada "Reinado do Sol". Ariano Suassuna é o comandante da nau atracada no centro da cidade, José Lins do Rego é uma referência ao desenvolvimento da cana-de-açúcar, Caixa D’Água é o caminhante pela boemia. Já Augusto dos Anjos evidencia o resgate da alma poética do passado.
Considero a foto de Ronei Brognoli ilustrada abaixo, a melhor representação imagística da mulher vestida de sol. Esse artista foi muito feliz em fotografar esse ângulo, com tanta sensibilidade, pois nos faz sentir a obra como uma criação da natureza, e não apenas como uma linda pintura. Parabéns a ele!
A mulher vestida de sol nos remete à criação, mas também ao ponto mais oriental das Américas em João Pessoa, eis que ali o sol nasce primeiro. Segundo o Dicionário de símbolos de Udo Becker, no sistema heliocêntrico da astronomia moderna, o sol é a estrela fixa mais próxima da terra e do sistema planetário, o que justificaria a sua presença na obra. Diz ainda que o sol tinha duas naves, com as quais trafegava pelo céu. Ainda, na pg. 269 dessa obra, consta: "à esquerda: depois de desaparecer no horizonte, o sol percorre um reino subterrâneo antes de renascer do outro lado no dia seguinte. Toda a noite passa do seu barco diurno ao barco noturno. E toda manhã torna a surgir na sua nave de ouro. No Sarcófago de Taho (Séc. III a.C.) é representado o transbordo do sol do seu barco noturno (à direita) para o seu barco matinal (à esquerda)". Essas citações nos fazem pensar que há uma semelhança delas com a construção do primeiro painel.
Por que uma figura feminina? Por que ela não foi identificada? Por qual razão vestida de sol? Talvez porque ela possa gerar um feto, formar e sustentar essa vida, podendo ser considerada símbolo da criação, assim como o sol, e, então, se fundem. Apesar de não mencionado, penso que o pintor conhecia a passagem do Apocalipse, na qual está descrita: "mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça" e essa padecia em trabalho de parto como um sinal no céu. Há literatura que fala da coroa na cabeça de uma mulher. Essa teria 12 estrelas, as quais representariam as 12 tribos de Israel. E, assim, essa mulher em Apocalipse seria Israel. Parece haver semelhança entre a pintura e essa descrição.
Personagens folclóricos também enriquecem a pintura. Maria Isabel Bandeira, conhecida como Vassoura, não gostava de ser chamada pelo apelido e aparece montada no seu cavalo branco. Era uma mulher simples, de estatura mediana, nascida em Gurinhém, uma patriota com suas vestes verde e amarela, com um lenço verde no pescoço e um apito na boca.
Ciganos, sarracenos, negros, mouros, portugueses, espanhóis, índios, franceses e holandeses são algumas etnias que trazem a sua contribuição ao painel, cada uma delas com a sua história e cultura, com a sua verdade ou mitos.
Essa obra é tão grandiosa e encantadora que me debruçaria a pesquisá-la, escrevendo sobre ela, com todas as intertextualidades possíveis, mas esse não é o foco aqui. Assim, ficam os links abaixo como sugestões de leitura, para que você leia e faça sua própria análise crítica. E, quando for a João Pessoa, visite a Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes, e conheça de perto essa obra magnífica.
Leia mais em:
<https://www.picuki.com/tag/fl%C3%A1viotavares>
<http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=7270>
<http://www.joaopessoa.pb.gov.br/painel-de-flavio-tavares-compoe-a-estacao-ciencia/>
<https://wscom.com.br/estacao-cabo-branco-oferece-opcoes-de-lazer-para-pais-e-filhos-neste-domingo/>
<https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/11531>
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