Os Lusíadas, poema épico de Luis Vaz de Camões é composto de dez cantos e seu tema principal é o descobrimento do caminho marítimo para as Índias, primeira viagem de Vasco da Gama. Um dos objetivos da obra é abordar a história lusitana, salientando algumas das principais passagens.
É o primeiro poema regular da renascença, e foi influenciado pelas obras clássicas de Homero e Virgílio.
Apesar de Cristã, a obra está repleta de referências ao paganismo, por essa razão necessitou consentimento da Inquisição de Portugal para que pudesse ser publicada.
As passagens mais célebres da obra são os episódios Inês de Castro, a partida da frota portuguesa, as cenas do mar e de combates, e as cruéis cenas de guerras e navegações.
Merece destaque, os episódios do Velho do Restelo e Gigante Adamastor, este último, além de amedrontar os portugueses, mostra o lirismo de sua história de amor e seu destino trágico. Também, a ilha dos amores por seu clímax de erotismo deve ser lembrada.
Ao final, o poema profetiza os altos destinos dos portugueses, característica de inegável força portuguesa.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE “OS LUSÍADAS”
O objeto de estudo é o Canto IX, episódios “Ilha Enamorada” - estrofes 51-64 e “No Palácio de Tétis” – estrofes 87-95.
Entendo pertinente iniciar citando esta passagem do herói Camões. Herói porque, apesar de ter vivido até o último momento, sofrendo dores e privações na mais extrema miséria, ele criou obras grandiosas como esta e amou a Pátria incondicionalmente. Numa das últimas cartas, escreveu:
“Em breve estará a minha vida no fim, e então, todos verão como tanto amei a minha Pátria”, a Pátria que ele cantou e idolatrou:
«Como testa da Europa, sua culminância,
O Lusitano Reino está situado,
Os países aqui o fim da terra alcançam;
Aqui na água do oceano o sol se lança
Onde fica cada noite repousando.»
(...)
A obra “Os Lusíadas” foi publicada em 1572 por Camões e traduziu-se numa das melhores produções literárias da literatura universal, cujas características renascentistas são muitas.
O homem renascentista buscava a perfeição, e fazia isto imitando os deuses, os quais na obra “Os Lusíadas” são humanizados, inclusive vivenciando sentimentos mesquinhos, como a inveja (Baco), a paixão (Vênus), dentre outros sentimentos.
A mitologia grega, que influenciou Camões e todos os artistas renascentistas, era composta por vários deuses (politeísmo) que se diferenciavam dos homens apenas por serem imortais, pois possuíam sentimentos humanos, como por exemplo, o ódio, e comportamentos humanizados.
A obra “Os Lusíadas” é um poema narrativo de grande extensão. Narrado em 3° pessoa, linguagem perfeita, seu assunto é heróico. O tema central da epopéia expressa valores da aristocracia guerreira: o culto da coragem e da honra; o desejo de glória e fama; a preocupação com o destino.
“Os Lusíadas” é a mais importante epopéia do Renascimento Europeu – movimento literário, científico e artístico que se caracterizou por imitar a civilização grega e latina e está entre as maiores de todos os tempos. A referida obra nega a tradição judaico-cristã. Glorifica a nudez, suprime o pecado e restitui o homem ao paraíso terreal.
Nessa obra, Camões recriou fatos históricos, e descreveu pormenorizadamente regiões, situações estranhas e fenômenos naturais mal conhecidos. Ela nos traz um lindo canto de louvor e glória do povo português. Quando Camões a compôs, Portugal estava no auge de seu império, conquistado na aventura heróica de sua gente, pioneira no desbravamento do mar ainda desconhecido.
Nos Lusíadas é narrado o momento máximo dessa aventura, a viagem em que Vasco da Gama descobriu o caminho para as Índias, em 1498, marco da expansão renascentista do mundo ocidental. Também, fala do que há de grande, de maravilhoso e emocionante na história de Portugal.
Ainda hoje se mostra em Macau uma gruta, na qual Camões completou o seu manuscrito. Quanto à estrutura, a obra divide-se em três partes: a estrutura interna, a estrutura externa e os planos da narrativa.
ESTRUTURA INTERNA
A estrutura interna é composta pela Proposição, onde o Poeta expõe os seus objetivos; pela Invocação, onde o Poeta invoca as Tágides ou Ninfas do Tejo; pela Dedicatória, onde dedica o poema a El-Rei D.Sebastião e, finalmente, pela Narração que se inicia a partir da estância 19, no canto I, e vai até a estrofe 144 do Canto X. Mais detalhadamente, teríamos:
A proposição é a exposição do assunto, ocupa as três primeiras estrofes do poema. O nosso poeta declara que espalhará por toda parte a fama dos heróis portugueses que fizeram a grande viagem do descobrimento da Índia; diz também que cantará a glória de reis (D. Sebastião) e conquistadores, para onde levaram a fé cristã; diz, enfim, que seu canto objetiva exaltar a coragem de um povo heróico, capaz de façanhas superiores às dos maiores heróis do passado, sendo digno de conquistar memória imortal.
A Invocação, estrofes 4 e 5 do Canto I, é o pedido de inspiração às musas. Na religião antiga, as musas são nove deusas, filhas de Zeus e Memória, cujas funções estão ligadas ao canto, à poesia e às artes em geral. São elas que inspiram os poetas e artistas. Camões invoca as Tágides (ninfas do Tejo) para que ajudem na composição do poema.
Na dedicatória, Camões destinou sua epopéia a Dom Sebastião, rei de Portugal. Ele dirige-se ao jovem monarca, da 6° a 18° estrofe – Canto I, chamando sua atenção para o canto patriótico que celebra os heróis; também enumera algumas personagens e episódios mais ilustres de seu país.
A narração é a maior parte do poema. Vai da estrofe 19 do Canto I até a 144 do Canto X. Começa com o Concílio dos deuses, que nos mostra Júpiter, o deus supremo do Olimpo, chamando todos os deuses para uma assembléia, que tem por objetivo definir o futuro das navegações lusitanas. Júpiter relembra o apoio já dado aos portugueses em outras batalhas; Baco é ferrenhamente contrário aos portugueses; Vênus os defende por achar que são parecidos com os antigos romanos, seus protegidos e por esperar ser homenageada por eles ao final da navegação. Marte, apaixonado por Vênus, apóia essa deusa e, no fim da discussão, Júpiter decide em favor dos portugueses, que podem seguir sua viagem; porém Baco vai tentar impedir seu sucesso.
O epílogo – estrofes finais do canto X, mostra a desilusão do autor com uma pátria que não merece mais ser cantada e elevada e com a esperança de que o Rei D. Sebastião seja capaz de reverter tal situação.
ESTRUTURA EXTERNA
Inspirado nas antigas epopéias clássicas, “Os Lusíadas” narram a história do povo português, tendo como eixo a viagem de Vasco da Gama às Índias. O poeta dividiu sua epopéia em 10 cantos, com estrofes de oito versos, sendo os seis primeiros de rimas cruzadas e os dois últimos de rimas emparelhadas. Canto é a maior unidade de composição poética da epopéia. Esta possui 1102 estrofes e 8816 versos decassílabos, que obedecem a um rigoroso sistema rítmico chamado de oitava, cujo esquema prático é ABABABCC. O canto mais breve é o VII, tem 87 estrofes; o mais longo o último, tem 156.
PLANOS DA OBRA
Os planos da narrativa são constituídos pela narração histórica - História de Portugal, discursos de Vasco e Paulo da Gama, feitos ao rei de Melinde e ao Catual, e também pelas profecias de Júpiter, do Adamastor e de Tétis; pela narração da Viagem de Vasco da Gama à Índia; pela narração mitológica da intervenção dos deuses e, finalmente, pelo Poeta que apresenta diversas considerações e reflexões. O narrador no plano histórico é Vasco da Gama, no plano mitológico é Luís Vaz de Camões.
EPISÓDIO
"ILHA DOS AMORES” - SÍNTESE DO CANTO IX
Sendo “Os Lusíadas” uma epopéia, trata de narrar um fato heróico e grandioso e de interesse nacional e social. A Ilha se coloca à frente da armada portuguesa e os navegantes ao desembarcarem vão encontrar todas as maravilhas do prazer terrestre proporcionadas pelas divindades do amor.
Nas estrofes 52-64, temos a descrição da ilha dos amores. A ilha é o lugar dos encantos, sensual e erótica, com claras fontes, vales amenos, árvores, frutos e animais.
As ninfas encontravam-se na ilha de Vênus, onde ocorre a recepção regada com vinhos e música para festejar as núpcias entre as deusas e navegadores.
Nas estrofes 65-88, os portugueses foram premiados, pelos seus feitos heróicos, nas de n° 89/95 temos o registro de que seu prêmio fora alegres distrações com as ninfas.
Uma profecia é lançada por Diana (deusa da caça, dos bosques, filha de Júpiter e de Latona, irmã de Apolo): o castigo aos povos que receberam mal os portugueses. E, dirigindo-os ao alto de um monte, indica-lhes o globo, a “grande máquina” do mundo conhecido até então. Anuncia-lhes outros desbravadores do Oriente. Os portugueses partiram da ilha e retornam a Portugal: concluí-se, então, o percurso marítimo de Vasco da Gama que assegurou o poderio português no Oriente; e estava configurada a bravura épica de todo o povo lusitano.
SÍNTESE DAS ESTROFES 51-64
As naus iam navegando para Portugal e procuravam abastecer-se de água para a longa viagem, quando, ao romper da aurora, avistaram a ilha, significado alegórico “insula divina” em virtude de ser habitada por deusas e encantar por sua beleza. A ilha é um pomar onde a natureza produz todos os frutos necessários à vida, sem necessidade de cultura.
Nessa ilha, Camões realiza os planos histórico e mitológico: os portugueses são regalados com todas as alegrias da vida, desde os prazeres sensuais com os amores das ninfas habitantes, aos prazeres intelectuais com a visão da máquina do mundo, cuja miniatura é feita por Tétis ao Gama do alto de uma colina desta ilha.
Superadas as dificuldades na Índia, os Portugueses regressam a Pátria. Os Catuais - autoridade civil e religiosa dos Malabares (região, na costa ocidental da Índia de Canará ao Cabo Comorim) tentam retardar a frota portuguesa no aguardo das naus que viriam de Meca (cidade sagrada, dos árabes, pátria de Maomé), mas a armada parte em sua viagem de volta.
Vênus resolve premiar os heróis com prazeres divinos: a Ilha dos Amores (51-87) e seu simbolismo (88-95). É nessa ilha que ocorre a noivado de Vasco da Gama com a ninfa Tétis (deusa do mar) e a união de seus marinheiros com as nereidas (deusas mitológicas que habitam o mar), sendo esse um dos momentos mais sensuais dos Lusíadas.
As naus ao dirigirem-se para Portugal, ao romper da aurora avistaram a ilha que Vênus fazia-na mover-se para que os portugueses ali aportassem, imobilizou-a quando viu os nautas se dirigirem para uma praia de areia e conchas.
Das colinas brotavam as fontes nas quais o arvoredo se espelha com seus frutos perfumados comparados à beleza de Dafne - filha de Peneu e amada por Apolo - que perseguida por este último foi metamorfoseada em loureiro.
Narciso, filho de Cefis, se inclina sobre um tanque e floresce a anêmona, por quem Vênus suspira.
Adonis, filho e neto de Ciniras, (Rei de Chipre e de Mirra) cometera incesto com sua filha Mirra. Sua mãe foi transformada em planta com o mesmo nome. Ele fora morto por um javali, sua amante Vênus fez nascer do seu sangue uma flor, a anêmona.
A Flora, deusa das flores, está em competição com a deusa dos frutos (Pomona).
Apolo, filho de Latona, assassinou involuntariamente seu companheiro Jacinto e do seu sangue fez nascer flores, transforma Filomena (filha de Pandion, Rei de Atenas). Ela foi metamorfoseada pelos deuses em rouxinol. Actéon (caçador) surpreendeu Diana no banho e foi por esta transformado em cervo.
Desembarcaram os nautas, algumas ninfas na floresta tocavam música, outras fingiam andar a caça, os Argonautas (tripulantes) da nau Argos, comandados por Jasão, percorreram o mar negro da Grécia à Cólquida, em busca do velo de ouro, realizaram a primeira viagem marinha.
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Nesta frescura tal desembarcavam
Já das naus os segundos argonautas,
Onde pela floresta se deixavam
Andar as belas deusas, como incautas;
Algumas, doces cítaras tocavam,
Algumas, harpas e sonoras flautas,
Outras, co’os arcos de ouro se fingiam
Seguir os animais, que não seguiam.
No canto X, os portugueses continuam na ilha dos Amores, são homenageados com um banquete, e uma ninfa profetiza as glórias que alcançaram na Índia (1-74)
NO PALÁCIO DE TÉTIS
SÍNTESE DAS ESTROFES 87-95
Enquanto os marinheiros passeiam com as nereidas (deusas mitológicas que habitam os mares), Tétis conduz Vasco da Gama ao topo de "um cume alto e divino" (edifício de cristal e ouro). De lá lhe mostra uma miniatura do universo (ação minuciosa = terra como centro) "a máquina do mundo" que descreve as regiões do mundo nas quais estaria inserida a descoberta do Brasil (caminho marítimo das Índias) onde encontrariam o pau vermelho (pau Brasil) e usaria o nome de Santa Cruz, também, o futuro dos portugueses, e profetiza sobre o povo lusitano: Estrofes 87-88 a 92 - 95.
Na passagem do final do poema, o plano mítico dos deuses e o histórico dos homens encontram-se: os portugueses são elevados, simbolicamente, à condição de deuses, pois só aos últimos é permitido contemplar a máquina do mundo. De acordo com as metáforas no canto X, essa máquina deve ser entendida não como verdade científica, mas como símbolo de um patamar superior, a ser atingido um dia pela ciência racional.
Continuaram os prazeres, Tétis no Palácio, as outras sob as árvores e no meio das flores, assim ficam felizes as ninfas e os guerreiros, configura-se o momento de maior erotismo. Era o prêmio final pelos grandes feitos (88), pois estas ninfas, Tétis e a ilha são as honras que dão valor a vida.
Os prazeres da ilha são os triunfos, as coroas de vitória, a glória e a admiração que despertam. Explica o Poeta que as ninfas são símbolos das honras e glórias que dignificam a vida.
A antiguidade imortalizava no Olimpo (a residência dos Deuses, numa das montanhas da Grécia antiga) estrelado, nas asas da Fama (divindade), os homens que por dolorosos caminhos praticassem grandes ações e alcançado os cumes da virtude.
A imortalidade era um prêmio do mundo, os deuses todos foram homens. Na estrofe 91, Quirino era Rômulo patrono de Roma; os dois Tebanos Baco e Hércules, ambos naturais de Tebas. Na estrofe 92, foi só a fama que os nomeou deuses, imortais. Por isso o poeta exorta àqueles que estimam a Fama e tornam-se escravos dela.
A ambição, a ganância e o vício da tirania eram refreados, pois dinheiro e honrarias tomados indignamente não dão o “verdadeiro” mérito. Esse “tomais”, estrofe 93, pode referir-se a cobiça de ouro e ambição de honras ou a apoderar-se de algo que não lhes pertença. Se existirem leis justas e invariáveis que não lese os pequenos em detrimento dos grandes ou na guerra, a combater contra os Mouros, se farão fortes os reinos e todos ganharão e terão riqueza merecida juntamente com as honras.
Assim farão glorioso o rei ora com o conselho, ora com as armas e ficarão imortais como seus antepassados. Se assim procedessem, seriam contados entre os heróis e recebidos nesta Ilha de Vênus.
Que as imortalidades que fingia
A antiguidade, que os ilustres ama,
(...)
(IX, 90)
Não eram senão prêmios que reparte,
Por feitos imortais e soberanos,
O mundo c”os varões que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
(IX, 91)
Para que eu pudesse entender um pouco desta obra tão grandiosa, necessitei recorrer a informações extras para, pelo menos, ter uma visão da sua complexidade e do seu todo. Foi nessa busca que constatei que cada canto apresenta episódios diferentes, mas que se inter-relacionam com o todo.
Ao contrário do que pensava, o herói dessa obra não é Vasco da Gama, mas sim o povo português de quem esse era representante. Entendi que “A ilha enamorada” apresenta uma grande sensualidade, claramente denotada nas relações das ninfas e portugueses, também nessa; tudo frutifica e é belo.
No canto IX e X, temos o final glorioso do poema. Vênus, protetora e guia dos portugueses, decide premiá-los pelos duros trabalhos da expedição, leva-os a “ilha divina”, na qual se concretiza não só o noivado de Vasco da Gama com Tétis, como também, a união dos marinheiros com as nereidas, um dos momentos mais sensuais de “Os Lusíadas”.
No palácio, Tétis conduz Vasco da Gama a um monte mostrando-lhe o globo, a grande máquina do mundo conhecida até então. A obra termina com a visão desta, que pode interpretar-se como o símbolo do saber pelos homens.
Em última análise, foi-me de grande valia e apaixonante realizar essa pequena análise, e surpreendeu-me o fato de Camões ter vivido na mais decadente miséria e ter escrito uma obra tão grandiosa que represente tão bem a história de Portugal.
BIBLIOGRAFIA
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7. SARAIVA, Antônio José. Estudos sobre a arte d’os Lusíadas. LISBOA. Editora Gradiva,1992.