Odete Soares Rangel
O texto tem algumas particularidades. Já na segunda frase, o ponto de interrogação nos sugere questionamentos. Ele é construído com muitos outros pontos de interrogação, estabelecendo polêmicas sobre o tema principal, o amor. É como se o poeta convidasse o leitor a participar com suas experiências. E dessa forma, fica implícita que a nossa falta de amor deva ser amada, tal como devemos amar a água implícita em nossa secura, o beijo não dado mas tácito, a sede infinita que o ser humano tem de amar (últimas três linhas).
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados,
amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.
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