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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

“Miss Dollar” e “A parasita azul” representando a primeira e segunda fases de Machado de Assis

Odete Soares Rangel

O objetivo é rever a primeira e a segunda fase de Machado de Assis através dos contos “Miss Dollar” e “A parasita azul”.

“Miss Dollar”, foi escrito na época em que o casamento podia ser um negócio, o conflito estava centrado no amor de Margarida e Mendonça que desejavam casar e depois consumar o amor. Machado tenta trazer que amor e casamento devem vir juntos para propiciar felicidade. O autor se aproxima e se afasta do leitor, trabalha muito com a imaginação deste, o qual terá muitas expectativas a respeito de quem será Miss Dollar. O conto se encerra com a morte de Miss Dollar, deixando implícito que sua missão havia sido cumprida, aproximou os dois enamorados. 

Em “A parasita azul” é época da revolução industrial na Europa, no Brasil término da Guerra do Paraguai. Camilo chega ao Brasil, mas sua cabeça continua na França, ele sente falta de Paris. O dilema inicial é o da cultura brasileira. Machado debruça-se, melancolicamente, sobre o Brasil e a realidade das pessoas, cuja perspectiva de existência é bastante negativa. A relação amorosa não tem a pureza romântica, Machado coloca a possibilidade de conciliar o amor com o dinheiro, como no caso de Camilo e Isabel, esta o amava desde criança, ele de pouco tempo e presume-se que seu amor seja mesmo pelo dinheiro de Isabel. Nos contos há uma conciliação entre situações conflitantes, próximo da realidade. Hoje ainda existem muitos casamentos por conveniência em detrimento do amor verdadeiro.

O que mudou da primeira fase da prosa machadiana para a segunda, foi o fato de Machado de Assis expressar-se de forma velada, implícita, tendo passado a fazê-lo livremente, abordando, diretamente, quaisquer assuntos com mais realismo, como por exemplo, a escravidão e o amor entre classes diferentes.

“Vale mais imaginar que descrever as torturas daquela primeira noite de noivado. Mas aquilo que o homem não vence, há de vencê-lo o tempo, a quem cabe final razão”. Essa citação de Machado em “Miss Dollar” é um dos tantos exemplos de sua forma de falar indiretamente sobre os acontecimentos. Contrariamente, em “A parasita azul”, p. 186, Machado diz que “Alguma leitora menos exigente, há de achar singular a resolução de Isabel, ainda depois de saber que era amada. Também eu penso assim; mas não quero alterar o caráter da heroína, porque ela era tal qual a apresento nestas páginas”, mostrou isso diretamente no decorrer do texto.

O homem como objeto do homem e a figura feminina eram assuntos recorrentes na obra de Machado, vamos viajar nesse universo para entender um pouco mais.

O HOMEM COMO OBJETO DO HOMEM

O apego ao dinheiro ou a falta deste pode reduzir o homem a objeto de outro homem. Em “Anedota pecuniária” Falcão era ávido por lucro, embora tivesse muito dinheiro e uma relação erótica com este, vivia de migalhas e não hesitou em vender as sobrinhas Jacinta por dez contos de réis e Virginia por uma coleção de moedas. Soluciona a questão do dinheiro, mas é tomado pelo terror da solidão. Seu conflito é o apego às sobrinhas e ao dinheiro, optou pelo último, tornando-se seu escravo e senhor. 

Em “Entre santos” Sales tem dinheiro, adora contemplá-lo, mas leva uma vida indigna. Decide pagar a cura de sua enferma esposa, a São José, com uma perna de cera. Como esta lhe custaria dinheiro, substituiu-a por orações. Chegara até a libertar o cadáver de uma escrava para que fosse enterrada como indigente, assim não desembolsaria dinheiro com os funerais. 

No conto “O empréstimo”, Custódio era ambicioso, mas não tinha dinheiro, tampouco aptidão para ganhá-lo. Era um verdadeiro caipora e vivia de esmolas. Um anúncio instigou-o a associar-se a uma empresa estrangeira, para tanto necessitaria 5 contos. Tentou, sem êxito, obter o empréstimo junto ao tabelião Vaz Nunes que acabou dando-lhe apenas 5 mil-réis. Esse valor garantiu seu jantar, por isso proporcionou-lhe uma ímpar felicidade.

Nos três contos, o dinheiro não circula, mas o apego a ele, o prazer de tê-lo e admirá-lo, é o que fica aparente. Esse não é gerado pelo trabalho, nem o gerará tampouco. É objeto de desejo no sentido de satisfazê-lo, no primeiro conto, com a venda das sobrinhas, desejava salvar o dinheiro perdido no mau negócio e aumentar seu patrimônio, respectivamente. No conto seguinte era a cura da esposa através de ação não financeira, enquanto no último o desejo da sociedade se dissipou uma vez que realizou o desejo de jantar, embora sejam coisas de proporções tão distintas, mas certamente de semelhante importância naquele momento. Em todos os contos, triunfa o mais forte, cuja sobrevivência está garantida, alienam-se à necessidade do outro, mas o tornam objeto de si pela dependência.

No caso dos que não o possuem, são aniquilados, são reduzidos a objeto de outro homem pela própria necessidade, ou seja, na busca de satisfação dos seus desejos dependendo de outrem, cuja situação chega a ser humilhante.

A FIGURA FEMININA

Machado se centrava no público feminino, mostra os contrastes e os conflitos sem rebaixa-las. A maioria das leitoras casadas, ricas, de classe média. Ele classifica-as em duas classes: Elegantes, finas e superficiais e as ignorantes sem impulsos, por isso mesmo sê desamparadas, não possuiriam iniciativas. 

Ele gostava do detalhe revelador omisso em cada um, mas que não fugiam a sua astúcia. Abordava momentos do cotidiano, situações triviais mas reveladoras de um paradoxo, a vivência através de aparências, de máscaras. Ele tomava as coisas tradicionais, misturava-as ao realismo, as adaptava ao que queria calcado na ironia, no riso dissimulado, como exemplo podemos citar o personagem Joaquim Fidélis. 

Em “Primas de sapucaia” a personagem Adriana era casada e infiel (idealizada como jovem, ardente e amorosa, autêntica, bonita, fascinante); no conto “Trio em lá menor” temos Maria Regina que é desmiolada, esquisita, ama e é amada (idealiza os homens e se decepciona com a realidade, ela vê no mundo fora o que projeta dentro de si), e em “Singular ocorrência” Marocas é nossa personagem pobre, analfabeta e prostituta. 

Existem figuras de menor importância: as primas Claudina e Rosa que de empecilho transformam-se em salvadoras do primo, e a mulher de Andrade, pessoa sem expressividade, a traída. 

Comparando as três personagens principais, pode-se dizer que todas elas, sentimentalmente, não se transformaram. Adriana é dominadora, rompe com os padrões da época pela destruição, pois sabe que possui uma relação destrutiva, mas não consegue se afastar; Maria Regina vai oscilando entre a imperfeição dos dois pretendentes, mas nunca decidirá por um deles, não se modifica e acaba perdendo ambos; Marrocas, talvez seja a mais importante, haja vista ser a única prostituta mostrada na ficção machadiana, cujo ponto crítico dá-se quando é motivada a levar para sua cama um homem qualquer e conta com o acaso para Andrade não descobrir. Representa a ambiguidade, pois não podemos afirmar se traiu ou não Andrade, mas tornou-se fiel e aprendeu a ler. Segundo o ponto de vista de Machado as mulheres deviam ser instruídas e não se limitar às tarefas do lar.

Vale a pena ler os contos, se você tiver interesse, estão contidos nas obras:  

Assis, Machado de – “Miss Dollar” Contos Fluminenses. Obra Completa, volume II. Rio de Janeiro, José Aguilar Editora, 1974, p. 27-44.

Assis, Machado de – “A parasita Azul”. Papéis Avulsos. Obra Completa, volume II. Rio de Janeiro, José Aguilar Editora, 1974, p. 161-193.

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