Odete Soares Rangel
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Anneliese_Marie_Frank |
Acabei de ler a edição definitiva do livro O diário de Anne Frank por Otto Frank e Mirjiam Pressler. De início, achei-o muito infantil, mas à medida que ia prestando atenção aos detalhes e a história, a narração começou a tomar corpo e ficou interessante.
Annelisse Maria Frank, comumente chamada de Anne Frank, nasceu aos 12 de junho de 1929 em Frankfurt, na Alemanha. Aos quatro anos de idade teve que partir em fuga com a família por causa da chegada de Adolph Hitler ao poder.
Em 1942, ela teve de mudar-se com a família e mais quatro pessoas para um esconderijo no anexo do sótão do escritório de Otto Frank para fugir dos invasores alemães na Holanda. Nesse, permaneceram acomodados ou melhor amontoados por dois anos, até serem delatados. Eram dias infindáveis, sem esperanças concretas. À medida que ia narrando os acontecimentos, era possível entender um pouco da sua complexa personalidade. Assim vou descrevê-la como ela se revelou na obra.
A solidão foi o que a impulsionou para a escrita do diário. Aparentemente ela parecia ter tudo, mas não tinha um amigo verdadeiro. O diário cumpriu esse papel, tornou-se sua companhia preferida, nele podia expressar-se livremente, não era contrariada, nem precisava ter medo. Então, registrou toda tensão e as experiências comunitárias e cotidianas vividas no anexo secreto, suas intimidades, as transformações e os medos que aterrorizavam as pessoas. Fez dele um documento histórico importante sobre as privações e tudo que apavorava naqueles tempos de guerra (12.06.1942 - 01.08.1944).
O sentimento de rejeição a atormentava; na escola era excluída da ginástica porque seus ombros e quadris se deslocavam. Em casa, era preterida em relação a irmã Margot considerada brilhante nas notas escolares, a mais inteligente, a que fazia as coisas corretas. Anne odiava ser o exemplo da irmã, ela queria ter brio. Sentindo-se rejeitada, ela afirma que a única coisa que tem de si é o diário. Julgava ter uma inocência infantil quando escreveu o diário e sabia que não poderia ser inocente novamente ainda que quisesse. Ao final da guerra desejaria voltar a escola.
Anne era uma sonhadora. Amava o pai e não suportava a mãe. Era considerada a palhaça e a ovelha negra da família. Certo dia disse que caiu uma sombra sobre a felicidade, a mãe dera-lhe um tapa, mas que ela havia merecido. Ela ansiava ficar menstruada para tornar-se adulta, e pensava em ter filhos. Ela não se via como as pessoas a viam, se fingia de órfã, mas ao recobrar os sentidos arrependia-se, pois se considerava uma afortunada pela sorte.
Hello foi o primeiro menino que a despertou, era apaixonado por ela. Sally Kimmell foi seu único e verdadeiro amor, mas não era correspondida em seus afetos. Depois ela apaixonou-se por Peter e queria casar com ele, descobrindo mais tarde que ele era muito infantil para casar-se. Ela não queria apenas marido e filhos, mas ser útil e trazer alegrias as pessoas.
Os exilados do anexo ouviam a Inglaterra pelo rádio e ficavam apavorados com medo de serem descobertos e mortos a tiro. Anne não se conformava em ver os judeus sendo levados aos montes para serem assassinados, sem poder ajudá-los. Ficava incomodada de ver as pessoas retiradas à força de suas casas, além de terem suas posses roubadas,etc.
Ela desejava paz e uma convivência harmoniosa no anexo, mas tinha a sensação de viver num local cercado de ameaças, escuridão e perigo. Andava cansada das conversas estressantes sobre invasão, fome, morte, bombas, extintores de incêndio, saco de dormir, carteira de identidade, gás venoso. Não mais se importaria em morrer.
Anne gostava de escrever, adorava mitologia greco-romana, arvores genealógicas, história, astros de cinema, fotos de família, era louca por leituras e livros, história da arte, escritores e poetas, músicos vinham depois. Odiava matemática.
Procurava fazer o que tinha vontade, detestava cumprir ordens. Ela temia que a tristeza deformasse seu rosto. Sentia-se como um pássaro de asas cortadas, as proibições eram tantas que não poderia alçar seus próprios vôos. Desejava estar onde houvesse risos e ar puro. Anne sentia falta de liberdade, dos amigos, de conversar, de ficar sozinha, tem vontade de chorar como se fosse explodir. Está confusa sabe que lhe falta algo, porém não sabe o que é. Chorou infeliz, ficou arrasada, depois mostrou-se esperançosa e cheia de expectativa, embora as lágrimas rolassem por dentro como dizia. A natureza e Deus eram seu conforto. Ela ansiava por liberdade e ar puro, quando queria ficava quieta e séria por dentro, mas ruidosa por fora.
Anne menciona que quer ser cremada quando morrer. Seria este um pensamento normal para uma criança? Queria ser livre, ter vida normal, não podia demonstrar tristeza, mas desejava um futuro. Ela sentia-se cansada e irada, dizia querer ir embora desse mundo, mas não podia demonstrar e deixar que as pessoas percebessem as dúvidas e feridas que causaram a ela, impedindo-na de ser ela mesma. Tinha amor pela vó, mas faltava amor em Deus. Mais tarde mostra-se como cristã, perde o medo e confia em Deus. Diz que Deus não a abandonou, nem nunca abandonará.
Seu diário foi escrito com bases nos seus sentires. Sua sexualidade era duvidosa, ela pede para tocar os seios de uma amiga e a beija, sente êxtase por mulheres nuas. Depois do Ano Novo descobriu que desejava um rapaz, não uma menina como outrora imaginou.
Ela adorava usar metáforas, certo dia disse que se morasse muito tempo no anexo se transformaria num pé de feijão velho e seco. E deixa claro sua necessidade de viver essa adolescência. Ela discordava de que o casamento dos pais fosse ideal como eles faziam crer, julgava a mãe insensível e debochada.
No início de 1943 ela teve acessos de choro, sentiu solidão e percebeu gradualmente suas falhas e defeitos. Ela acreditava que uma pessoa com fé e coragem nunca morreria na desgraça. Ela fica triste e infeliz, fingi que está alegre, mas sente falta de sair e de espaço para ficar só. Libertada da tristeza e depressão dizia que estava mais tensa do que um tambor, seu coração e mente estavam em guerra.
A política não a atraia. Achava seu texto chato, mas escrevia para não se transformar numa bruxa velha e medonha. Dedicava-se aos estudos para não ser uma ignorante e poder se tornar jornalista. Considerava boa parte do diário vivo e interessante, mas questionava seu talento para escrever livros ou artigos de jornal.
Não trabalhava em Cady’s Liven, pois se achava muito jovem e inexperiente para escrever sobre filosofia.
Ouviu concerto de Mozart no radio, pensava que as músicas lindas abalam as profundezas da alma. Apaguem as luzes, vamos pra cima sem fazer barulho, a policia deve chegar!
Ela visualizou todos arrastados pela Gestapo, sugeriram queimar o diário ao que se recusou. Iria com ele, devia se comportar como soldado e morrer por algo nobre como a rainha, o país, a liberdade, a justiça e as verdades (ideais).
Deviam suportar o desconforto sem reclamar, será que algum dia seriam gente de novo, e não apenas judeus. Esperou a polícia pronta para a morte como um soldado em campo de batalha, daria de bom grado a vida pela pátria. Depois da guerra, desejava tornar-se cidadã holandesa, amava tudo na Holanda. Sabia o que queria, tinha um objetivo, opiniões, religião e amor mas não podia ser ela mesma. Viver e trabalhar em prol da humanidade pelo mundo afora seria sua meta.
Anne tinha 15 anos de idade quando morreu de tifo em 31.03.1945, no campo de concentração Bergen-Belsen. Ela dizia que queria continuar vivendo depois da morte, e isto se daria através das suas obras escritas. Ela agradecia o dom divino para explorar tudo o que havia dentro dela. Quando escrevia o ânimo renascia, a tristeza desaparecia, mas ela questionava sua capacidade de escrever algo importante, ser jornalista ou escritora. O fato é que sua obra está aí, seu desejo se cumpriu. Seu diário já foi traduzido para 67 línguas, é um dos livros mais lidos do mundo.