PLAYLIST

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Não há vagas - poema de Ferreira Gullar


O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira


Na poesia, as figuras de linguagem trazem nuances interessantes que dão vida ao texto segundo o olhar crítico de cada leitor, influenciados é claro, pela sua vivência e conhecimentos técnicos.

Nesta poesia, o escritor não afirma que o preço do feijão e de outros produtos não cabem no poema, mas inversamente a isto, ele informa que a poesia é feita com os fatos do dia-a-dia.

O poema é contemporâneo, e se o parafraseássemos, trocando a palavra poema por bolso, poderíamos ter um esqueleto da situação crítica da parte mais pobre da população do planeta, cujas carências e necessidades nunca serão sanadas, pois não cabem no seu salário.

O poema Escrito desse mesmo autor, como todos que ele escreve, é muito rico para uma análise e desafia o leitor a realizar as múltiplas leituras que possibilita. Quer tentar? Mande sua análise que postarei aqui.

A prata é um vegetal como a alface.
Primaveril, frutifica em setembro.
É branca, dúctil, dócil (como diz a Lucy)
e, em março, venenosa.

O cobre é um metal que se extrai da flor do fumo.
Tem o azul do açúcar.
É turvo, doce e disfarçado.

O ouro é híbrido - flor e alfabeto.
Osso de mito, quando oiro é teia-de-abelha.
A precisão do maduro. Dele se fabricam a urina e a velhice. 

© FERREIRA GULLAR 
In O vil metal, 1960 

Nenhum comentário: