Odete Soares Rangel
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
(Parnasiano Olavo Bilac (1865 – 1918)
Um breve olhar sobre o soneto
Todos sabemos que Olavo Bilac destaca-se pelo devotamento ao culto da palavra e ao estudo da língua portuguesa. Entre seus temas preferidos estão o amor, as crianças, a guerra e a pátria.
Nesse soneto, ele se debruçou sobre a trajetória e evolução da língua
portuguesa, o que Camões já fizera outrora. Literatura, possibilita várias
leituras, obviamente não fugindo muito do tema. Este soneto não é
diferente, inspira algumas abordagens,
que serão expressas mediante a autonomia e o sentir de cada um, no meu caso agora, sem ater-me rigorosamente as
técnicas formais.
Tecnicamente, o soneto está estruturado em catorze versos, formados por
dois quartetos e dois tercetos, atendo-se as normas clássicas da pontuação e da
rima. Olavo não economizava em recursos estilísticos. Entre eles, estão a repetição de palavras, as metáforas e as comparações.
É possível afirmar que a metáfora existente na flor de a Última flor do Lácio, inculta e bela, refere-se a língua portuguesa. Esta foi a última língua neolatina
formada a partir do latim vulgar falado pelos soldados da região do Lácio (Itália).
No segundo verso, a expressão És a um tempo, esplendor e sepultura nada
mais é do que um paradoxo. O Esplendor representa que a nova língua estava
ganhando importância, já Sepultura indica o desuso do
latim, à medida em que a língua portuguesa vai ascendendo e se fixando como língua oficial e usual.
Nos terceiro e quarto versos,
Ouro nativo, que na ganga impura / A bruta mina entre os cascalhos vela,
Bilac faz uma exaltação à língua que ainda precisa ser aperfeiçoada, quando comparada a outras de igual formação (latim). É uma mina a espera da lapidação natural do processo de evolução.
Amo o teu viço agreste e o teu aroma/ de virgens selvas e de oceano largo,
essas frases podem significar uma relação subjetiva entre o idioma
recém-criado, e o aroma agradável das virgens selvas, o que poderia referir-se
as florestas brasileiras ainda preservadas. A língua
atravessa oceanos, se perpetua nas espécies, ela chegou ao Brasil, através das caravelas.
Amo-te, ó rude e doloroso idioma. Nessa sentença, Bilac demonstra seu
amor pelo idioma, mas reconhece que ele não está pronto e que instituí-lo entre
outros povos, significaria destruir parte da cultura deles. Essa não seria uma tarefa fácil.
O novo é sempre assustador! Afinal a língua faz parte da identidade cultural de
um povo! Seria como despi-los das suas origens e suas identidades.
Na última estrofe, o poeta faz uma alusão a Camões, pois este consolidou
a língua portuguesa na sua célebre epopeia* Os Lusíadas (1572). A história narra os feitos heroicos dos portugueses durante as grandes navegações. Essa obra foi escrita quando ele tinha 17
anos, e enquanto esteve exilado nas colônias portuguesas da África e da Ásia. A língua é um ente vivo, em constante mutação e produz sensações como as expressas neste último terceto. Elas vêm marcadas tanto no doce chamamento da mãe ao filho, quanto nos prantos dos que não podem estar na pátria amada, como foi o caso de Camões durante o exílio.
á
* Poema que narra
ações grandiosas. Epopeia é uma forma literária da Antiguidade Clássica, uma
narrativa estruturada em versos, que narra os feitos heroicos, com interesse
para toda a Humanidade.á
6 comentários:
vejam gente estas coisas sao lindas☺
vejaom gente espero q gostem☺
Obrigada Thesky pela sua visita ao blog.
Abcs
gostei do trabalho de interpretação !
muito obrigada
Angela
Boa noite Angela,
Obrigada pela sua visita ao blog e comentário.
Abraços a todos,
Que interpretação perfeita e esclarecedora! Sou professora de Língua Portuguesa e adoro esse poema.
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