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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Agora é crime exigir cheque-caução para atendimento hospitalar urgente

Odete Soares Rangel


Agora é crime exigir cheque-caução para atendimento hospitalar urgente


Click no link acima para ler a matéria divulgada pelo Portal da Ilha versando sobre o assunto. 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Placas de sinalização de trânsito, esqueceram de nós!

Odete Soares Rangel

As placas que você vê neste post são apenas uma minoria das existentes no centro de Florianópolis (SC) e que carecem de manutenção, seja na limpeza, pintura,  reposicionamento ou até mesmo a sua extinção. 

As imagens postadas demonstram a precariedade da sinalização sem necessidade de comentários. Mas duas delas me parecem inusitadas (imagens 4 e 7). Como você vê a primeira está no cruzamento da Av. Trompowsky com a rua Bocaiuva, onde há fluxo constante de veículo, me questiono se alguém estacionaria num local assim. A outra localizada na Av Trompowsky está voltada para o pedestre (calçada) e não para os motoristas que trafegam na rua.

No Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito há algumas normas bem claras quanto a manutenção e fixação das placas. Vamos ver o que está expresso nos atigos 4.11 e 4.12 desse Manual. 

"4.11 Manutenção e conservação
Placas de sinalização sem conservação ou com conservação precária perdem sua eficácia como dispositivos de controle de tráfego, podendo induzir ao desrespeito e dificultar a ação fiscalizadora do órgão ou entidade executivo de trânsito. As placas de sinalização devem ser mantidas na posição apropriada, sempre limpas e legíveis.

Devem ser tomados cuidados especiais para assegurar que vegetação, mobiliário urbano,placas publicitárias e materiais de construção não prejudiquem a visualização da sinalização, mesmo que temporariamente.
  
4.12 Posicionamento na via
 A regra geral de posicionamento das placas de sinalização, consiste em colocá-las no lado direito da via no sentido do fluxo de tráfego que devem regulamentar, exceto nos casos previstos neste Manual. 

As placas de sinalização devem ser colocadas na posição vertical, fazendo um ângulo de 93º a 95º em relação ao sentido do fluxo de tráfego, voltadas para o lado externo da via. Esta inclinação tem por objetivos assegurar boa visibilidade e leitura dos sinais, evitando o reflexo especular que pode ocorrer com a incidência de faróis de veículos ou de raios solares sobre a placa. 


Você poderá ler o Manual acessando http://www.scribd.com/doc/31070626/MANUAL-de-sinais-de-regulamentacao.

Não raro, a mídia divulga notícias sobre problemas com má sinalização ou falta desta, como nestas matérias: 


1. "Rodovia mal sinalizada é perigo no Bairro Itacorubi, em Florianópolis". 
http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2012/06/rodovia-mal-sinalizada-e-perigo-no-bairro-itacorubi-em-florianopolis-3776736.html


2. "Falta de sinalização e pouco espaço para manobras colocam em risco motoristas na  SC-407, em São José"






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terça-feira, 29 de maio de 2012

A moça que queria comer no Leste e dormir no Oeste

Odete Soares Rangel

A moça que queria comer no Leste e dormir no Oeste é uma fábula chinesa de Ying Shao.  Ela mostra bem a indecisão da moça entre a escolha dos dois pretendentes e o desejo dela de ter de cada um deles o que lhe convinha. Entretanto, a vida a obriga a fazer escolhas, assim pede mais tempo para pensar. Não é isso que a fábula faz, levar a uma reflexão É duro fazer escolhas, mas é assim na vida real. 


Leia a fábula.

"No estado de Qi* , havia uma moça em idade de casar. Era muito bonita e tinha muitos pretendentes, mas não sabia que noivo escolher. Um dia, dois moços diferentes foram à sua casa pedi-la em casamento. Um morava no Leste e o outro no Oeste.

O moço que morava Leste era feio, mas vinha de uma família muito  rica. O moço que morava no Oeste era bonito, mas vinha de uma família muito pobre. Os pais da moça não sabiam qual marido apresentar para sua filha. Então eles permitiram que ela desse a sua opinião sobre a pessoa com quem queria se casar** .

A moça ficou encabulada. Passou o tempo, e nada de uma resposta. Seu pai chamou sua mulher para um canto e perguntou:

– Nossa filha não tem coragem de falar?

A mãe foi até onde estava sua filha e disse:

– Você não tem coragem de falar? Se está com vergonha, apenas aponte para o rapaz de sua preferência. Quer dizer, nem precisa apontar. Toque em seu próprio braço. Se tocar no braço esquerdo, é que gosta do rapaz do Oeste, que está na sua esquerda. Se tocar no braço direito, é que gosta do rapaz do Leste, que está na sua direita.

Depois de algum tempo, a moça voltou, mas ainda não tinha tomado a decisão. De repente, ela tocou em seu braço esquerdo. Queria então se casar com o moço do Oeste. Porém, em seguida, tocou também em seu braço direito.

– O quê? Você pretende se casar com os dois? – perguntou o pai, surpreso.

– Não – ela respondeu, falando pela primeira vez, com uma voz sussurrante. – Eu quero comer na casa do moço do Leste e dormir na casa do moço do Oeste.

Seus pais disseram:

– Não é possível ter sempre tudo o que se quer. Às vezes é preciso fazer opções!

A moça pediu mais algum tempo para pensar."

NOTAS:
* Qi era um dos feudos da dinastia Zhou (1122-265 a.C) e estava localizado na atual província de Shandong,
no leste da China.
** O casamento na China antiga era arranjado pelos pais. Normalmente, os filhos não eram consultados.


Fonte: Fábulas Chinesas. Organização e tradução SchmaltzMárcia & CapparelliSergio. Porto Alegre, RS: Editora: L&pm. 2012.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Suco de couve, múltiplos benefícios

Odete Soares Rangel


Um suco de couve feito com produtos frescos, bem higienizados e armazenados é a receita desse vídeo. Assista-o vale a pena, basta clicar no link!


http://www.youtube.com/watch?v=UG0JYvRsx64&feature=related


Acesse ainda o blog http://blog.cancaonova.com/maissaude e obtenha muitas informações valiosas que contribuirão para melhorar a sua saúde e a sua qualidade de vida!

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O medo do Amor

Odete Soares Rangel

Escultor Telmo Rangel
Foto de Odete Rangel.jpg
O texto abaixo é da Martha Medeiros. Ela que sempre faz belas reflexões sobre a vida e os sentimentos, nos presenteia com este primoroso despertar para uma dura realidade: o acabar, a finitude que permeia nossa vida, queiramos ou não.


Para ilustrar o belo texto, imagens que gosto muito, de esculturas criadas por Telmo Rangel, um homem que sempre soube lutar pelo seu amor, que faz deste, uma das mais lindas razões da sua existência. O amar incondicional, sem medos, mas com a certeza de que vale a pena. 


"Medo de amar? Parece absurdo, com tantos outros medos que temos que enfrentar: medo da violência, medo da inadimplência, e a não menos temida solidão, que é o que nos faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não, o medo de amar se instala entre as nossas vértebras e a gente sabe por quê. O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba.


Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático.


Escultor Telmo Rangel
Foto de Odete Rangel.jpg
Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade. E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro.


Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos. Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que para sempre é impossível recusá-lo."

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O velho louco que removeu as montanhas

Odete Soares Rangel


A fábula que lerão agora faz parte da coletânea Fábulas Chinesas de Sérgio Capparelli & Márcia Schmaltz.  Ela foi escrita por Liezi. 

Perto das montanhas Taihang e Wangwu*, vivia um velho de noventa anos que todo mundo achava louco. Ele tinha uma ideia fixa, a de remover as montanhas da frente de sua aldeia e
levá-las para outro lugar. Ninguém acreditou que ele fosse fazer isso.

Certa noite todos foram dormir tranquilos. No dia seguinte, o velho louco acordou bem cedo e
disse novamente que iria remover as duas montanhas, para abrir um caminho até Hanying**, onde os agricultores iam vender seus produtos no mercado.

Ele começou a encher um cesto com pedras e, pouco depois, passou perto de sua casa com a carga nas costas.

Sua mulher perguntou:
– Onde vai jogar a montanha?
– No mar Bohai***.

Logo seu filho e seus três netos foram trabalhar com ele. Juntos quebravam as pedras, tiravam a terra, enchiam com ela os cestos e iam jogá-las no mar Bohai. Até o filho de sete anos da viúva, que nascera depois da morte do vizinho, veio ajudá-los. Eles trabalhavam de domingo a domingo, de primavera a primavera, voltando para casa apenas uma vez por ano.

Mesmo algumas pessoas que não acreditavam que fosse possível tirar as montanhas do lugar se dispuseram a ajudar o velho louco. Primeiro sua mulher e seus outros filhos. Depois os vizinhos e os vizinhos de seus  vizinhos. Mais tarde acharam, sim, que a montanha tinha de dar passagem até Hanying.

Um sábio que vivia na curva do rio tentou dissuadi-lo daquela loucura.

– Deixa de ser doido. Um homem velho e fraco como você, incapaz de carregar um saco de areia, vai remover duas montanhas para mudá-las de lugar?

O velho deu um suspiro. Olhou para a montanha, olhou para o mar Bohai, lá longe, como se calculasse quanto tempo faltava para terminar o trabalho, e disse:

– Se eu morrer, eu deixo o meu filho e o filho do meu filho, o filho do meu neto, o filho do filho do meu neto. Já as montanhas, não crescem mais nem aumentam de tamanho. Por isso eu vou continuar meu trabalho.

O sábio da curva do rio não soube o que responder.

NOTAS da Edição Pocket.



1. * Dizem que essas duas montanhas estavam no sul do país. Hoje, uma está em Qinghai e a outra, na periferia de Beijing.

2. ** Hanying fica na atual província de Shanxi.
3. *** O mar Bohai é um mar interior da China, situado entre as penínsulas de Shandong e Liaodong, com o estreito de Bohai ao leste. 

Fonte: 

CAPPARELLI, Sérgio & SCHMALTZ, Márcia.  Fábulas Chinesas. Organização e tradução. Porto Alegre, RS:L&PM, 2012.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Atendimento Van Gogh - E-mail falso

Odete Soares Rangel

Se você receber esse e-mail delete-o imediatamente e denuncie. Ao final dessa mensagem há um link com a palavra CONFIRMAR, onde você deveria clicar para a atualização. Não faça isso, não caia na armadilha. É mais um de tantos outros que invadem sua caixa postal diariamente. E veja você que não foi enviado a mim, mas entrou na minha caixa de e-mail. 


Procedimento semelhante foi adotado como se fosse enviado do banco Itaú. Veja na sequência. Nossa segurança on-line está cada vez mais ameaçada, mas se não conseguem eliminar a prática, pelo menos as mensagens são direcionadas para SPAM alertando o usuário. 


1. Primeiro e-mail

de:      Seguranca@setorial.com.br
para:   Seguranca@setorial.com.br
data:   22 de maio de 2012 14:03
assunto:  Atendimento Van Gogh

Prezado(a) Cliente,
Seu dispositivo de segurança encontra-se desatualizado.

Esta atualização foi lançada para correção de erros e falhas e vem para garantir o nível de segurança informado em contrato.

Todos os clientes que não realizarem esta atualização ate o dia31/05/2012 implicará no bloqueio automático da conta para qualquer transação podendo ser desbloqueada em qualquer agencia portando documento pessoal e comprovante de residência.

Agradecemos a sua compreensão.


2. Segundo e-mail
  
Encerramento de conta.

Itaú - Bankline cartoes@groupeitau.com.br
9 mai (13 dias atrás)

para mim
  
Tenha cuidado com esta mensagem. Mensagens parecidas foram usadas para obter informações pessoais de alguns usuários. Se não conhecer o remetente, não clique em links nem responda com suas informações pessoais.  Saiba mais

Comunicado

Prezado(a) Cliente

Verificamos que seu cadastro encontra-se desatualizado em nosso sistema. Há ausência de atualizações de segurança imposta pelo sistema Itaú.

Até o momento não encontramos nenhuma autenticação habilitada para atualizações de segurança.

O acesso aos serviços Itaú entrará em processo de suspensão automaticamente.

Para evitar a suspensão automática desses serviços, habilite suas atualizações no botão abaixo.

Este recurso só será ativado se você aceitar e é atualizado a partir de servidores certificados.

1. Senha do Cartão Bloqueada
2. Bloqueio de Senha Eletrônica
3. Usuário suspenso do Internet Banking
4. Bloqueio do Cartão Múltiplo (Crédito & Débito)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Amor

Odete Soares Rangel

O poema Amor de Khalil Gibran vai ser sempre contemporâneo e uma ótima fonte de reflexão. Para muitos o amor anda meio enfraquecido, vem sendo amortecido pelo excesso de tarefas, por trabalhos extras, e por compromissos infinitos. Vamos fazer essa prece pelo nosso ser amado antes de dormir e vamos acordar a cada dia com um sorriso e com amor no coração. Vamos agradecer pelo amor estar fortemente presente em nossas vidas. Obrigada Telmo por todo o teu amor!


Com amor para os leitores!

E alguém disse:

Fala-nos do Amor:

- Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.
E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.

Porque assim como o vosso amor
vos engrandece, também deve crucificar-vos
E assim como se eleva à vossa altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes
sacudindo o seu apego à terra.

Como braçadas de trigo vos leva.
Malha-vos até ficardes nus.
Passa-vos pelo crivo
para vos livrar do joio.
Mói-vos até à brancura.
Amassa-vos até ficardes maleáveis.

Então entrega-vos ao seu fogo,
para poderdes ser
o pão sagrado no festim de Deus.

Tudo isto vos fará o amor,
para poderdes conhecer os segredos
do vosso coração,
e por este conhecimento vos tornardes
o coração da Vida.

Mas, se no vosso medo,
buscais apenas a paz do amor,
o prazer do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair do campo do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.

O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.

O amor não possui
nem quer ser possuído.

Porque o amor basta ao amor.

E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos escolher,
marcará ele o vosso curso.

O amor não tem outro desejo
senão consumar-se.

Mas se amarem e tiverem desejos,
deverão se estes:
Fundir-se e ser um regato corrente
a cantar a sua melodia à noite.

Conhecer a dor da excessiva ternura.
Ser ferido pela própria inteligência do amor,
e sangrar de bom grado e alegremente.

Acordar de manhã com o coração cheio
e agradecer outro dia de amor.

Descansar ao meio dia
e meditar no êxtase do amor.

Voltar a casa ao crepúsculo
e adormecer tendo no coração
uma prece pelo bem amado,
e na boca, um canto de louvor.



Quer saber mais sobre o autor, acesse o link: http://www.paralerepensar.com.br/gibran.htm

domingo, 20 de maio de 2012

Capítulo dos Chapéus

Odete Soares Rangel

No conto Capítulo dos ChapéusMachado de Assis, com sua habitual ironia, fala sobre a posição da mulher na nova sociedade do Brasil, na segunda metade do século XIX. Mariana e Sofia são personagens da história, Mariana é um tanto infantil e vive presa ao âmbito doméstico; já Sofia (sua amiga) é seu oposto, é uma mulher independente e determinada, capaz de se enquadrar nessa nova sociedade.  Leia o conto completo.

"Géronte Dans quel chapitre, s'il vous plaît? Sganarelle Dans le chapitre des chapeaux.
Moliére.
Musa, canta o despeito de Mariana, esposa do bacharel Conrado Seabra, naquela manhã de abril de 1879. Qual a causa de tamanho alvoroço? Um simples chapéu, leve, não deselegante, um chapéu baixo. Conrado, advogado, com escritório na rua da Quitanda, trazia-o todos os dias à cidade, ia com ele às audiências; só não o levava às recepções, teatro lírico, enterros e visitas de cerimônia. No mais era constante, e isto desde cinco ou seis anos, que tantos eram os do casamento. Ora, naquela singular manhã de abril, acabado o almoço, Conrado começou a enrolar um cigarro, e Mariana anunciou sorrindo que ia pedir-lhe uma coisa.
— Que é, meu anjo? — Você é capaz de fazer-me um sacrifício? — Dez, vinte...
— Pois então não vá mais à cidade com aquele chapéu.
— Por quê? é feio? — Não digo que seja feio; mas é cá para fora, para andar na vizinhança, à tarde ou à noite, mas na cidade, um advogado, não me parece que...
— Que tolice, iaiá! — Pois sim, mas faz-me este favor, faz? Conrado riscou um fósforo, acendeu o cigarro, e fez-lhe um gesto de gracejo, para desconversar; mas a mulher teimou. A teima, a princípio frouxa e súplice, tornou-se logo imperiosa e áspera. Conrado ficou espantado. Conhecia a mulher; era, de ordinário, uma criatura passiva, meiga, de uma plasticidade de encomenda, capaz de usar com a mesma divina indiferença tanto um diadema régio como uma touca. A prova é que, tendo tido uma vida de andarilha nos últimos dois anos de solteira, tão depressa casou como se afez aos hábitos quietos. Saía às vezes, e a maior parte delas por instâncias do próprio consorte; mas só estava comodamente em casa. Móveis, cortinas, ornatos supriam-lhe os filhos; tinha-lhes um amor de mãe; e tal era a concordância da pessoa com o meio, que ela saboreava os trastes na posição ocupada, as cortinas com as dobras do costume, e assim o resto. Uma das três janelas, por exemplo, que davam para a rua vivia sempre meio aberta; nunca era outra.
Nem o gabinete do marido escapava às exigências monótonas da mulher, que mantinha sem alteração a desordem dos livros, e até chegava a restaurá-la. Os hábitos mentais seguiam a mesma uniformidade. Mariana dispunha de mui poucas noções, e nunca lera senão os mesmo livros: — a Moreninha de Macedo, sete vezes; Ivanhoé e o Pirata de Walter Scott, dez vezes; o Mot de 1'énigme, de Madame Craven, onze vezes.
Isto posto, como explicar o caso do chapéu? Na véspera, à noite, enquanto o marido fora a uma sessão do Instituto da Ordem dos Advogados, o pai de Mariana veio à casa deles. Era um bom velho, magro, pausado, ex-funcionário público, ralado de saudades do tempo em que os empregados iam de casaca para as suas repartições. Casaca era o que ele, ainda agora, levava aos enterros, não pela razão que o leitor suspeita, a solenidade da morte ou a gravidade da despedida última, mas por esta menos filosófica, por ser um costume antigo. Não dava outra, nem da casaca nos enterros, nem do jantar às duas horas, nem de vinte usos mais. E tão aferrado aos hábitos, que no aniversário do casamento da filha, ia para lá às seis horas da tarde, jantado e digerido, via comer, e no fim aceitava um pouco de doce, um cálice de vinho e café. Tal era o sogro de Conrado; como supor que ele aprovasse o chapéu baixo do genro? Suportava-o calado, em atenção às qualidades da pessoa; nada mais. Acontecera-lhe, porém, naquele dia, vê-lo de relance na rua, de palestra com outros chapéus altos de homens públicos, e nunca lhe pareceu tão torpe. De noite, encontrando a filha sozinha, abriu-lhe o coração; pintou-lhe o chapéu baixo como a abominação das abominações, e instou com ela para que o fizesse desterrar.
Conrado ignorava essa circunstância, origem do pedido. Conhecendo a docilidade da mulher, não entendeu a resistência; e, porque era autoritário, e voluntarioso, a teima veio irritá-lo profundamente. Conteve-se ainda assim; preferiu mofar do caso; falou-lhe com tal ironia e desdém, que a pobre dama sentiu-se humilhada. Mariana quis levantar-se duas vezes; ele obrigou-a a ficar, a primeira pegando-lhe levemente no pulso, a segunda subjugando-a com o olhar. E dizia, sorrindo: — Olhe, iaiá, tenho uma razão filosófica para não fazer o que você me pede. Nunca lhe disse isto; mas já agora confio-lhe tudo.
Mariana mordia o lábio, sem dizer mais nada; pegou de uma faca, e entrou a bater com ela devagarinho para fazer alguma coisa; mas, nem isso mesmo consentiu o marido, que lhe tirou a faca delicadamente, e continuou: — A escolha do chapéu não é uma ação indiferente, como você pode supor; é regida por um princípio metafísico. Não cuide que quem compra um chapéu exerce uma ação voluntária e livre; a verdade é que obedece a um determinismo obscuro. A ilusão da liberdade existe arraigada nos compradores, e é mantida pelos chapeleiros que, ao verem um freguês ensaiar trinta ou quarenta chapéus, e sair sem comprar nenhum, imaginam que ele está procurando livremente uma combinação elegante. O princípio metafísico é este: — o chapéu é a integração do homem, um prolongamento da cabeça, um complemento decretado ab æterno; ninguém o pode trocar sem mutilação. E uma questão profunda que ainda não ocorreu a ninguém. Os sábios têm estudado tudo desde o astro até o verme, ou, para exemplificar bibliograficamente, desde Laplace... Você nunca leu Laplace? desde Laplace e a Mecânica celeste até Darwin e o seu curioso livro das Minhocas, e, entretanto, não se lembraram ainda de parar diante do chapéu e estudá-lo por todos os lados. Ninguém advertiu que há uma metafísica do chapéu. Talvez eu escreva uma memória a este respeito.
São nove horas e três quartos; não tenho tempo de dizer mais nada; mas você reflita consigo, e verá... Quem sabe? pode ser até que nem mesmo o chapéu seja complemento do homem, mas o homem do chapéu...
Mariana venceu-se afinal, e deixou a mesa. Não entendera nada daquela nomenclatura áspera nem da singular teoria; mas sentiu que era um sarcasmo, e, dentro de si, chorava de vergonha. O marido subiu para vestir-se; desceu daí a alguns minutos, e parou diante dela com o famoso chapéu na cabeça. Mariana achou-lho, na verdade, torpe, ordinário, vulgar, nada sério. Conrado despediu-se cerimoniosamente e saiu.
A irritação da dama tinha afrouxado muito; mas, o sentimento de humilhação subsistia. Mariana não chorou, não clamou, como supunha que ia fazer; mas, consigo mesma, recordou a simplicidade do pedido, os sarcasmos de Conrado, e, posto reconhecesse que fora um pouco exigente, não achava justificação para tais excessos. Ia de um lado para outro, sem poder parar; foi à sala de visitas, chegou à janela meio aberta, viu ainda o marido, na rua, à espera do bond, de costas para casa, com o eterno e torpíssimo chapéu na cabeça. Mariana sentiu-se tomada de ódio contra essa peça ridícula; não compreendia como pudera suportá-la por tantos anos. E relembrava os anos, pensava na docilidade dos seus modos, na aquiescência a todas as vontades e caprichos do marido, e perguntava a si mesma se não seria essa justamente a causa do excesso daquela manhã.
Chamava-se tola, moleirona; se tivesse feito como tantas outras, a Clara e a Sofia, por exemplo, que tratavam os maridos como eles deviam ser tratados, não lhe aconteceria nem metade nem uma sombra do que lhe aconteceu. De reflexão em reflexão, chegou à idéia de sair. Vestiu-se, e foi à casa da Sofia, uma antiga companheira de colégio, com o fim de espairecer, não de lhe contar nada.
Sofia tinha trinta anos, mais dois que Mariana. Era alta, forte, muito senhora de si.
Recebeu a amiga com as festas do costume; e, posto que esta lhe não dissesse nada, adivinhou que trazia um desgosto e grande. Adeus, planos de Mariana! Daí a vinte minutos contava-lhe tudo. Sofia riu dela, sacudiu os ombros; disse-lhe que a culpa não era do marido.
— Bem sei, é minha, concordava Mariana.
— Não seja tola, iaiá! Você tem sido muito mole com ele. Mas seja forte uma vez; não faça caso; não lhe fale tão cedo; e se ele vier fazer as pazes, diga-lhe que mude primeiro de chapéu.
— Veja você, uma coisa de nada...
— No fim de contas, ele tem muita razão; tanta como outros. Olhe a pamonha da Beatriz; não foi agora para a roça, só porque o marido implicou com um inglês que costumava passar a cavalo de tarde? Coitado do inglês! Naturalmente nem deu pela falta. A gente pode viver bem com seu marido, respeitando-se, não indo contra os desejos um do outro, sem pirraças, nem despotismo. Olhe; eu cá vivo muito bem com o meu Ricardo; temos muita harmonia. Não lhe peço uma coisa que ele me não faça logo; mesmo quando não tem vontade nenhuma, basta que eu feche a cara, obedece logo. Não era ele que teimaria assim por causa de um chapéu! Tinha que ver! Pois não! Onde iria ele parar! Mudava de chapéu, quer quisesse, quer não.
Mariana ouvia com inveja essa bela definição do sossego conjugal. A rebelião de Eva embocava nela os seus clarins; e o contato da amiga dava-lhe um prurido de independência e vontade. Para completar a situação, esta Sofia não era só muito senhora de si, mas também dos outros; tinha olhos para todos os ingleses, a cavalo ou a pé. Honesta, mas namoradeira; o termo é cru, e não há tempo de compor outro mais brando. Namorava a torto e a direito, por uma necessidade natural, um costume de solteira. Era o troco miúdo do amor, que ela distribuía a todos os pobres que lhe batiam à porta: — um níquel a um, outro a outro; nunca uma nota de cinco mil-réis, menos ainda uma apólice. Ora este sentimento caritativo induziu-a a propor à amiga que fossem passear, ver as lojas, contemplar a vista de outros chapéus bonitos e graves. Mariana aceitou; um certo demônio soprava nela as fúrias da vingança. Demais, a amiga tinha o dom de fascinar, virtude de Bonaparte, e não lhe deu tempo de refletir. Pois sim, iria, estava cansada de viver cativa. Também queria gozar um pouco, etc., etc.
Enquanto Sofia foi vestir-se, Mariana deixou-se estar na sala, irrequieta e contente consigo mesma. Planeou a vida de toda aquela semana, marcando os dias e horas de cada coisa, como numa viagem oficial. Levantava-se, sentava-se, ia à janela, à espera da amiga.
— Sofia parece que morreu, dizia de quando em quando.
De uma das vezes que foi à janela, viu passar um rapaz a cavalo. Não era inglês, mas lembrou-lhe a outra, que o marido levou para a roça, desconfiado de um inglês, e sentiu crescer-lhe o ódio contra a raça masculina — com exceção, talvez, dos rapazes a cavalo. Na verdade, aquele era afetado demais; esticava a perna no estribo com evidente vaidade das botas, dobrava a mão na cintura, com um ar de figurino. Mariana notou-lhe esses dois defeitos; mas achou que o chapéu resgatava-os; não que fosse um chapéu alto; era baixo, mas próprio do aparelho eqüestre. Não cobria a cabeça de um advogado indo gravemente para o escritório, mas a de um homem que espairecia ou matava o tempo.
Os tacões de Sofia desceram a escada, compassadamente. Pronta! disse ela daí a pouco, ao entrar na sala. Realmente, estava bonita. Já sabemos que era alta. O chapéu aumentava-lhe o ar senhoril; e um diabo de vestido de seda preta, arredondando-lhe as formas do busto, fazia-a ainda mais vistosa. Ao pé dela, a figura de Mariana desaparecia um pouco. Era preciso atentar primeiro nesta para ver que possuía feições mui graciosas, uns olhos lindos, muita e natural elegância. O pior é que a outra dominava desde logo; e onde houvesse pouco tempo de as ver, tomava-o Sofia para si. Este reparo seria incompleto, se eu não acrescentasse que Sofia tinha consciência da superioridade, e que apreciava por isso mesmo as belezas do gênero Mariana, menos derramadas e aparentes. Se é um defeito, não me compete emendá-lo.
— Onde vamos nós? perguntou Mariana.
— Que tolice! vamos passear à cidade... Agora me lembro, vou tirar o retrato; depois vou ao dentista. Não; primeiro vamos ao dentista. Você não precisa de ir ao dentista? — Não.
— Nem tirar o retrato? — Já tenho muitos. E para quê? para dá-lo "àquele senhor"? Sofia compreendeu que o ressentimento da amiga persistia, e, durante o caminho, tratou de lhe pôr um ou dois bagos mais de pimenta. Disse-lhe que, embora fosse difícil, ainda era tempo de libertar-se. E ensinava-lhe um método para subtrair-se à tirania. Não convinha ir logo de um salto, mas devagar, com segurança, de maneira que ele desse por si quando ela lhe pusesse o pé no pescoço. Obra de algumas semanas, três a quatro, não mais.
Ela, Sofia, estava pronta a ajudá-la. E repetia-lhe que não fosse mole, que não era escrava de ninguém, etc. Mariana ia cantando dentro do coração a marselhesa do matrimônio.
Chegaram à rua do Ouvidor. Era pouco mais do meio-dia. Muita gente, andando ou parada, o movimento do costume. Mariana sentiu-se um pouco atordoada, como sempre lhe acontecia. A uniformidade e a placidez, que eram o fundo do seu caráter e de sua vida, receberam daquela agitação os repelões do costume. Ela mal podia andar por entre os grupos, menos ainda sabia onde fixasse os olhos, tal era a confusão das gentes, tal era a variedade das lojas. Conchegava-se muito à amiga, e, sem reparar que tinham passado a casa do dentista, ia ansiosa de lá entrar. Era um repouso; era alguma coisa melhor do que o tumulto.
— Esta rua do Ouvidor! ia dizendo.
— Sim? respondia Sofia, voltando a cabeça para ela e os olhos para um rapaz que estava na outra calçada.
Sofia, prática daqueles mares, transpunha, rasgava ou contornava as gentes com muita perícia e tranqüilidade. A figura impunha; os que a conheciam gostavam de vê-la outra vez; os que não a conheciam paravam ou voltavam-se para admirar-lhe o garbo. E a boa senhora, cheia de caridade, derramava os olhos à direita e à esquerda, sem grande escândalo, porque Mariana servia a coonestar os movimentos. Nada dizia seguidamente; parece até que mal ouvia as respostas da outra; mas falava de tudo, de outras damas que iam ou vinham, de uma loja, de um chapéu... Justamente os chapéus, — de senhora ou de homem, — abundavam naquela primeira hora da rua do Ouvidor.
— Olha este, dizia-lhe Sofia.
E Mariana acudia a vê-los, femininos ou masculinos, sem saber onde ficar, porque os demônios dos chapéus sucediam-se como num caleidoscópio. Onde era o dentista? perguntava ela à amiga. Sofia só à segunda vez lhe respondeu que tinham passado a casa; mas já agora iriam até ao fim da rua; voltariam depois. Voltaram finalmente.
— Uf! respirou Mariana entrando no corredor.
— Que é, meu Deus? Ora você! Parece da roça...
A sala do dentista tinha já algumas freguesas. Mariana não achou entre elas uma só cara conhecida, e para fugir ao exame das pessoas estranhas, foi para a janela. Da janela podia gozar a rua, sem atropelo. Recostou-se; Sofia veio ter com ela. Alguns chapéus masculinos, parados, começaram a fitá-las; outros, passando, faziam a mesma coisa.
Mariana aborreceu-se da insistência; mas, notando que fitavam principalmente a amiga, dissolveu-se-lhe o tédio numa espécie de inveja. Sofia, entretanto, contava-lhe a história de alguns chapéus, — ou, mais corretamente, as aventuras. Um deles merecia os pensamentos de Fulana; outro andava derretido por Sicrana, e ela por ele, tanto que eram certos na rua do Ouvidor às quartas e sábados, entre duas e três horas. Mariana ouvia aturdida. Na verdade, o chapéu era bonito, trazia uma linda gravata, e possuía um ar entre elegante e pelintra, mas...
— Não juro, ouviu? replicava a outra, mas é o que se diz.
Mariana fitou pensativa o chapéu denunciado. Havia agora mais três, de igual porte e graça, e provavelmente os quatro falavam delas, e falavam bem. Mariana enrubesceu muito, voltou a cabeça para o outro lado, tornou logo à primeira atitude, e afinal entrou.
Entrando, viu na sala duas senhoras recém-chegadas, e com elas um rapaz que se levantou prontamente e veio cumprimentá-la com muita cerimônia. Era o seu primeiro namorado.
Este primeiro namorado devia ter agora trinta e três anos. Andara por fora, na roça, na Europa, e afinal na presidência de uma província do sul. Era mediano de estatura, pálido, barba inteira e rara, e muito apertado na roupa. Tinha na mão um chapéu novo, alto, preto, grave, presidencial, administrativo, um chapéu adequado à pessoa e às ambições. Mariana, entretanto, mal pôde vê-lo. Tão confusa ficou, tão desorientada com a presença de um homem que conhecera em especiais circunstâncias, e a quem não vira desde 1877, que não pôde reparar em nada. Estendeu-lhe os dedos, parece mesmo que murmurou uma resposta qualquer, e ia tornar à janela, quando a amiga saiu dali.
Sofia conhecia também o recém-chegado. Trocaram algumas palavras. Mariana, impaciente, perguntou-lhe ao ouvido se não era melhor adiar os dentes para outro dia; mas a amiga disse-lhe que não; negócio de meia hora a três quartos. Mariana sentia-se opressa: a presença de um tal homem atava-lhe os sentidos, lançava-a na luta e na confusão. Tudo culpa do marido. Se ele não teimasse e não caçoasse com ela, ainda em cima, não aconteceria nada. E Mariana, pensando assim, jurava tirar uma desforra. De memória contemplava a casa, tão sossegada, tão bonitinha, onde podia estar agora, como de costume, sem os safanões da rua, sem a dependência da amiga...
— Mariana, disse-lhe esta, o Dr. Viçoso teima que está muito magro. Você não acha que está mais gordo do que no ano passado?... Não se lembra dele no ano passado? Dr. Viçoso era o próprio namorado antigo, que palestrava com Sofia, olhando muitas vezes para Mariana. Esta respondeu negativamente. Ele aproveitou a fresta, para puxá-la à conversação; disse que, na verdade, não a vira desde alguns anos. E sublinhava o dito com um certo olhar triste e profundo. Depois abriu o estojo dos assuntos, sacou para fora o teatro lírico. Que tal achavam a companhia? Na opinião dele era excelente, menos o barítono; o barítono parecia-lhe cansado. Sofia protestou contra o cansaço do barítono, mas ele insistiu, acrescentando que, em Londres, onde o ouvira pela primeira vez, já lhe parecera a mesma coisa. As damas, sim, senhora; tanto o soprano como o contralto eram de primeira ordem. E falou das óperas, citava os trechos, elogiou a orquestra, principalmente nos Huguenotes... Tinha visto Mariana na última noite, no quarto ou quinto camarote da esquerda, não era verdade? — Fomos, murmurou ela, acentuando bem o plural.
— No Cassino é que a não tenho visto, continuou ele.
— Está ficando um bicho-do-mato, acudiu Sofia rindo.
Viçoso gostara muito do último baile, e desfiou as suas recordações; Sofia fez o mesmo às dela. As melhores toilettes foram descritas por ambos com muita particularidade; depois vieram as pessoas, os caracteres, dois ou três picos de malícia; mas tão anódina, que não fez mal a ninguém. Mariana ouvia-os sem interesse; duas ou três vezes chegou a levantar-se e ir à janela; mas os chapéus eram tantos e tão curiosos, que ela voltava a sentar-se. Interiormente, disse alguns nomes feios à amiga; não os ponho aqui por não serem necessários, e, aliás, seria de mau gosto desvendar o que esta moça pôde pensar da outra durante alguns minutos de irritação.
— E as corridas do Jockey Club? perguntou o ex-presidente.
Mariana continuava a abanar a cabeça. Não tinha ido às corridas naquele ano. Pois perdera muito, a penúltima, principalmente; esteve animadíssima, e os cavalos eram de primeira ordem. As de Epsom, que ele vira, quando esteve em Inglaterra, não eram melhores do que a penúltima do Prado Fluminense. E Sofia dizia que sim, que realmente a penúltima corrida honrava o Jockey Club. Confessou que gostava muito; dava emoções fortes. A conversação descambou em dois concertos daquela semana; depois tomou a barca, subiu a serra e foi a Petrópolis, onde dois diplomatas lhe fizeram as despesas da estadia.
Como falassem da esposa de um ministro, Sofia lembrou-se de ser agradável ao expresidente, declarando-lhe que era preciso casar também porque em breve estaria no ministério. Viçoso teve um estremeção de prazer, e sorriu, e protestou que não; depois, com os olhos em Mariana, disse que provavelmente não casaria nunca... Mariana enrubesceu muito e levantou-se.
— Você está com muita pressa, disse-lhe Sofia. Quantas são? continuou voltando-se para Viçoso.
— Perto de três! exclamou ele.
Era tarde; tinha de ir à câmara dos deputados. Foi falar às duas senhoras, que acompanhara, e que eram primas suas, e despediu-se; vinha despedir-se das outras, mas Sofia declarou que sairia também. Já agora não esperava mais. A verdade é que a idéia de ir à câmara dos deputados começara a faiscar-lhe na cabeça.
— Vamos à câmara? propôs ela à outra.
— Não, não, disse Mariana; não posso, estou muito cansada.
— Vamos, um bocadinho só; eu também estou muito cansada...
Mariana teimou ainda um pouco; mas teimar contra Sofia, — a pomba discutindo com o gavião, — era realmente insensatez. Não teve remédio, foi. A rua estava agora mais agitada, as gentes iam e vinham por ambas as calçadas, e complicavam-se no cruzamento das ruas. De mais a mais, o obsequioso ex-presidente flanqueava as duas damas, tendo-se oferecido para arranjar-lhes uma tribuna.
A alma de Mariana sentia-se cada vez mais dilacerada de toda essa confusão de coisas. Perdera o interesse da primeira hora; e o despeito, que lhe dera forças para um vôo audaz e fugidio, começava a afrouxar as asas, ou afrouxara-as inteiramente. E outra vez recordava a casa, tão quieta, com todas as coisas nos seus lugares, metódicas, respeitosas umas com as outras, fazendo-se tudo sem atropelo, e, principalmente, sem mudança imprevista. E a alma batia o pé, raivosa... Não ouvia nada do que o Viçoso ia dizendo, conquanto ele falasse alto, e muitas coisas fossem ditas para ela. Não ouvia, não queria ouvir nada. Só pedia a Deus que as horas andassem depressa. Chegaram à câmara e foram para uma tribuna. O rumor das saias chamou a atenção de uns vinte deputados, que restavam, escutando um discurso de orçamento. Tão depressa o Viçoso pediu licença e saiu, Mariana disse rapidamente à amiga que não lhe fizesse outra.
— Que outra? perguntou Sofia.
— Não me pregue outra peça como esta de andar de um lugar para outro feito maluca. Que tenho eu com a câmara? que me importam discursos que não entendo? Sofia sorriu, agitou o leque e recebeu em cheio o olhar de um dos secretários.
Muitos eram os olhos que a fitavam quando ela ia à câmara, mas os do tal secretário tinham uma expressão mais especial, cálida e súplice. Entende-se, pois, que ela não o recebeu de supetão; pode mesmo entender-se que o procurou curiosa. Enquanto acolhia esse olhar legislativo ia respondendo à amiga, com brandura, que a culpa era dela, e que a sua intenção era boa, era restituir-lhe a posse de si mesma.
— Mas, se você acha que a aborreço não venha mais comigo, concluiu Sofia.
E, inclinando-se um pouco: — Olhe o ministro da justiça.
Mariana não teve remédio senão ver o ministro da justiça. Este agüentava o discurso do orador, um governista, que provava a conveniência dos tribunais correcionais, e, incidentemente, compendiava a antiga legislação colonial. Nenhum aparte; um silêncio resignado, polido, discreto e cauteloso. Mariana passeava os olhos de um lado para outro, sem interesse; Sofia dizia-lhe muitas coisas, para dar saída a uma porção de gestos graciosos. No fim de quinze minutos agitou-se a câmara, graças a uma expressão do orador e uma réplica da oposição. Trocaram-se apartes, os segundos mais bravos que os primeiros, e seguiu-se um tumulto, que durou perto de um quarto de hora.
Essa diversão não o foi para Mariana, cujo espírito plácido e uniforme, ficou atarantado no meio de tanta e tão inesperada agitação. Ela chegou a levantar-se para sair; mas, sentou-se outra vez. Já agora estava disposta a ir ao fim, arrependida e resoluta a chorar só consigo as suas mágoas conjugais. A dúvida começou mesmo a entrar nela. Tinha razão no pedido ao marido; mas era caso de doer-se tanto? era razoável o espalhafato? Certamente que as ironias dele foram cruéis; mas, em suma, era a primeira vez que ela lhe batera o pé, e, naturalmente, a novidade irritou-o. De qualquer modo porém, fora um erro ir revelar tudo à amiga. Sofia iria talvez contá-lo a outras... Esta idéia trouxe um calafrio a Mariana; a indiscrição da amiga era certa; tinha-lhe ouvido uma porção de histórias de chapéus masculinos e femininos, coisa mais grave do que uma simples briga de casados.
Mariana sentiu necessidade de lisonjeá-la, e cobriu a sua impaciência e zanga com uma máscara de docilidade hipócrita. Começou a sorrir também, a fazer algumas observações, a respeito de um ou outro deputado, e assim chegaram ao fim do discurso e da sessão.
Eram quatro horas dadas. Toca a recolher, disse Sofia; e Mariana concordou que sim, mas sem impaciência, e ambas tornaram a subir a rua do Ouvidor. A rua, a entrada no bond completaram a fadiga do espírito de Mariana, que afinal respirou quando viu que ia caminho de casa. Pouco antes de apear-se a outra, pediu-lhe que guardasse segredo sobre o que lhe contara; Sofia prometeu que sim.
Mariana respirou. A rola estava livre do gavião. Levava a alma doente dos encontrões, vertiginosa da diversidade de coisas e pessoas. Tinha necessidade de equilíbrio e saúde. A casa estava perto; à medida que ia vendo as outras casas e chácaras próximas, Mariana sentia-se restituída a si mesma. Chegou finalmente; entrou no jardim, respirou. Era aquele o seu mundo; menos um vaso, que o jardineiro trocara de lugar.
— João, bota este vaso onde estava antes, disse ela.
Tudo o mais estava em ordem, a sala de entrada, a de visitas, a de jantar, os seus quartos, tudo. Mariana sentou-se primeiro, em diferentes lugares, olhando bem para todas as coisas, tão quietas e ordenadas. Depois de uma manhã inteira de perturbação e variedade, a monotonia trazia-lhe um grande bem, e nunca lhe pareceu tão deliciosa. Na verdade, fizera mal... Quis recapitular os sucessos e não pôde; a alma espreguiçava-se toda naquela uniformidade caseira. Quando muito, pensou na figura do Viçoso, que achava agora ridícula, e era injustiça. Despiu-se lentamente, com amor, indo certeira a cada objeto. Uma vez despida, pensou outra vez na briga com o marido. Achou que, bem pesadas as coisas, a principal culpa era dela. Que diabo de teima por causa de um chapéu, que o marido usara há tantos anos? Também o pai era exigente demais...
— Vou ver a cara com que ele vem, pensou ela.
Eram cinco e meia; não tardaria muito. Mariana foi à sala da frente, espiou pela vidraça, prestou o ouvido ao bond, e nada. Sentou-se ali mesmo com o Ivanhoe nas palmas, querendo ler e não lendo nada. Os olhos iam até o fim da página, e tornavam ao princípio, em primeiro lugar, porque não apanhavam o sentido, em segundo lugar, porque uma ou outra vez desviavam-se para saborear a correção das cortinas ou qualquer outra feição particular da sala. Santa monotonia, tu a acalentavas no teu regaço eterno.
Enfim, parou um bond; apeou-se o marido; rangeu a porta de ferro do jardim.
Mariana foi à vidraça, e espiou. Conrado entrava lentamente, olhando para a direita e a esquerda, com o chapéu na cabeça, não o famoso chapéu do costume, porém outro, o que a mulher lhe tinha pedido de manhã. O espírito de Mariana recebeu um choque violento, igual ao que lhe dera o vaso do jardim trocado, — ou ao que lhe daria uma lauda de Voltaire entre as folhas da Moreninha ou de Ivanhoe... Era a nota desigual no meio da harmoniosa sonata da vida. Não, não podia ser esse chapéu. Realmente, que mania a dela exigir que ele deixasse o outro que lhe ficava tão bem? E que não fosse o mais próprio, era o de longos anos; era o que quadrava à fisionomia do marido... Conrado entrou por uma porta lateral. Mariana recebeu-o nos braços.
— Então, passou? perguntou ele, enfim, cingindo-lhe a cintura.
— Escuta uma coisa, respondeu ela com uma carícia divina, bota fora esse; antes o outro."
Fonte: www.dominiopublico.gov.br


sábado, 19 de maio de 2012

Erro cirúrgico, o apelo de Jessica não foi ouvido


Odete Soares Rangel

Você deve ter lido na Zero Hora deste sábado, a matéria com o   título, "Hospital opera  olho errado de jovem durante transplante de córnea na Capital".

Não posso deixar de manifestar minha indignação contra o profissional que cometeu o equívoco.  Jessica, desde a infância, sofre de uma doença que atinge as córneas e pode levar a cegueira.

Ela tem 18 anos, e como toda a jovem de sua idade, deve ter muitos sonhos. Um deles era o de corrigir seu problema de visão no olho esquerdo.Mas seu sonho não foi só adiado, foi desconstruído, foi marcado pelo medo e pela insegurança de submeter-se a um novo procedimento. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Jessica? Leia a matéria e comente-a, é o mínimo que podemos fazer para apoiar essa família e reivindicar que que a falha seja apurada e o culpado responsabilizado, embora isso não vá recuperar o olho de Jessica, nem amenizar o sentimento de impotência, a desilusão, e o estresse da família. Pense nisso!

Veja a matéria na íntegra e você terá a mesma indignação que tive. Apenas acho que o título deveria ser outro, pois hospital não opera, ele apenas é responsável pelos seus profissionais e pelos procedimentos que esses executam. De qualquer forma o parágrafo final dá mostras de como o assunto vai ser tratado, identificar as causas e propor melhorias. Isto é daqui para a frente, o que aconteceu antes, passou. À Jessica fica a solidariedade das pessoas que leram e se comoveram com o seu caso.

"Uma jovem de 18 anos que esperava resolver um problema de visão teve uma surpresa depois de um transplante de córnea no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Após esperar de mais de um ano na fila, a cirurgia prevista para corrigir o olho esquerdo foi feita no olho direito.

Desde a infância, Jessica Vinhola sofre de uma doença que atinge as córneas e pode levar à cegueira. Em entrevista ao RBS Notícias nesta sexta-feira, ela contou que há dois anos, com a ajuda de uma rifa, a família conseguiu dinheiro para uma cirurgia à laser, e a jovem passou a ter 80% da visão do olho direito. Para resolver o problema do olho esquerdo, Jessica esperou mais de um ano na fila de transplantes.

— Ela chegou ontem (quinta-feira) e foi marcada com uma fita no meio do rosto, botei colírio até a hora de entregar ela para ir ao bloco. Quando ela acordou, colocou a mão e se apavorou — relatou a mãe, Simone Kottvitz Vinhola, à reportagem da TV.

Jessica teria questionado um dos integrantes da equipe médica sobre o olho em que estava o curativo.

— Fiquei muito nervosa. Quando ele falou que estava certo eu pensei: "será que eu é que estou errando o lado"? — contou Jessica.

Em nota, o hospital reconheceu o erro e informou que está investigando o caso. A resposta alega que houve uma falha provocada pelo deslocamento do material que identificava o olho que deveria ser operado e se comprometeu a fazer um novo transplante o mais rápido possível.

— Como assim? Se tem uma fila de transplante, se tem uma fila de córneas? E os outros que estão na fila? Vão ser passados pra trás? — questionou a mãe.
Assista à reportagem do RBS Notícias

Contraponto

O que diz o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), por meio de sua assessoria de comunicação:

O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) realiza transplantes de córnea desde 1988, tendo feito, até o momento, cerca de 3 mil procedimentos. Em transplante de córnea realizado no dia 17 de maio, em uma paciente de 18 anos de idade, portadora de doença oftalmológica bilateral (nos dois olhos), uma falha ocorreu. Apesar do processo de marcação ter sido inicialmente realizado no olho correto, o transplante ocorreu no olho não programado, provavelmente devido a um deslocamento do dispositivo de marcação.

Logo após a constatação do fato, a equipe de oftalmologistas e anestesista responsável pelo atendimento, formada por profissionais de larga experiência na área, comunicou o ocorrido à família da paciente, comprometendo-se a buscar todas as soluções para que, o mais brevemente possível, seja realizado o transplante no olho originalmente indicado. O HCPA comunicou o fato à Central de Transplantes do Rio Grande do Sul.

Ao mesmo tempo, a Administração Central do HCPA e sua Gerência de Risco desencadearam a apuração rigorosa do ocorrido, a fim de identificar claramente suas causas e propor melhorias no processo de marcação do local de cirurgia."