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quarta-feira, 6 de abril de 2011

A flor e a náusea

Odete Soares Rangel

Foto de Odete Soares Rangel - 2011

Flor e a Náusea
     


Carlos
        
        Drumond
              
             de
                      
          Andrade






Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
(http://www.germinaliteratura.com.br/cda.htm)

Flor significa beleza, encanto, primavera da vida; enquanto náusea provoca vômito, enjôo, repulsa.  O eu poético se sente nauseado pela falta de reação do homem mesmo sendo asfixiado pela cidade. Ele vagueia pela cidade captando as imagens e os movimentos desse mundo moderno com tantos problemas e misérias, e registra-os através da poesia. Ele de branco pode simbolizar pureza e limpeza, contrastando com a rua cinzenta que tanto pode representar escuridão, inverno ou até sujeira provocando o enjôo.

Olhos sujos é como uma visão turva, como se ele não quizesse enxergar aquele relógio que não cumpria sua função, nem as coisas feias e injustas da cidade na qual o tempo é apenas um compasso de espera. O tempo e o poeta se fundem na  mesma pobreza.

O poeta reclama do gasto de energia, com explicações que não são ouvidas pois os muros (metáforas do homem) são surdos. As palavras são devoradas pelos códigos, perdem seu poder de expressão. As coisas  tornam-se opacas quando não podem ser enfatizadas, o que significaria que elas tornavam-se inúteis.

Os homens autômatos voltam para a casa trazendo consigo jornais, o poeta insatisfeito quer expleir sua náusea, como se assim fosse reencontrar-se e fazer com que sua liberdade e seus relacionamentos tivessem uma razão de existir.

Os crimes seriam imperdoáveis, abertos ou ocultos, os males se alastram para o cotidiano. Os crimes belos, se é que assim podem ser considerados, deveriam ser revelados. A ração diária de erros tanto pode se referir ao produto do crime disseminado na cidade, quanto às quantidades de alimentos insuficientes distribuídos pelos leiteiro e padeiro.

A revolta denota a idéia do suicídio, mas ele não podia concretizá-lo porque mataria o melhor de si - seu imenso ódio - que era sua tábua de salvação e lhe permitiria distribuir um pouco de esperança a alguns.

A flor não nasceu num jardim ou em meio a natureza (terra-adubos-grama) mas  numa estrutura rígida destinada ao tráfego, era desbotada, sem viço, havia uma ordem talvez da polícia para não se aproximarem dela como se fosse uma erva daninha. Ao nascer ela transgrediu a ordem natural das coisas e irrompeu no asfalto. Seu nascimento paralisou a cidade, ela não está classificada nos livros assim não tem um nome, uma identidade, é apenas uma flor que de tão feia não devia ter nascido. Era um ser subnutrido, para sobreviver necessitava de cuidados.

Ela vem com uma missão de quebrar paradigmas, romper com a coisificação e a náusea, superando o ódio e dando significado a liberdade vazia do eu poético e do poeta, pois se fundem no mesmo sentimento. Drumond centrava-se no significado, o nascimento da flor traz uma nova perspectiva de vida. Sua feiura semelhante a das coisas feias e injustas da cidade pode se transformar em algo belo. A flor florescerá dando novas belas flores, trará novas oportunidades com o surgimento de uma sociedade igualitária para todos.

Talvez esta análise soe como um devaneio, mas foi essa a leitura que fiz e que satisfez minha mente delirante ou quem sabe, aos olhos de alguns, criativa. A foto da flor é da minha floreira, é linda, viçosa e provoca sentimentos alegres ao contrário da flor desbotada do asfalto. Gosto de olhar para elas toda manhã e ver que ali há vida, beleza, amor. E amando a natureza, em contrapartida somos amados por ela. Que as flores superem as náuseas para o todo e sempre!

3 comentários:

Unknown disse...

Gostei da sua interpretação >>

Odete Rangel disse...

Boa tarde Bia,

Obrigada por sua visita ao blog e comentário.

Abraços a todos!

Selma disse...

Uma análise poética. Gostei