Odete Soares Rangel
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O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.
O ângelus plange ao longe em doloroso dobre.
O último ouro do sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema unção.
Agora, para além do cerro, o céu parece
Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,
Como uma procissão espectral que se move…
Dobra o sino… Soluça um verso de Dirceu…
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.
Para se pensar esse soneto, vale lembrar que a Vila Rica do século XVIII, era a antiga denominação da cidade de Ouro Preto, cujo desenvolvimento deveu-se à mineração, principalmente, em torno das igrejas e confrarias. Essa corrida pelo ouro provocou um aumento populacional, inclusive, com a afluência de artistas e artesãos europeus contratados para construir monumentos, especialmente, igrejas que marcavam o súbito enriquecimento.
Na 1° estrofe do soneto, significa que o ouro encontrado era fruto do acaso, pois muitos o procuravam e não tinham a sorte de encontrá-lo. E que o fato acontecera num passado distante em que o ouro era tão abundante, que foi amplamente utilizado, inclusive, para adorno de casas e igrejas, cuja ornamentação relembra o fausto religioso da opulenta Vila Rica.
O poeta faz uma analogia com o corpo, pois este é que sangra, vê a terra também ferida pela extração do ouro. A ambição das pessoas pelo ouro era tão gigantesca que não mediam conseqüências para extraí-lo. Supõe-se que a extração do ouro foi a causadora da decadência da cidade. Ela deixou marcas na terra, como por exemplo, a erosão, a questão da contaminação com o mercúrio que ficaram como cicatriz. Por outro lado, cicatriz também pode ser identificada com a perda das riquezas, do poder de dominação, que empobreceram a cidade, mas não destruíram sua essência e seu glamour. A cidade ficou na história e na memória das pessoas, seu tempo de brilho não se apaga. O passado deve ficar emoldurado para sempre.
A 2° estrofe denota o choro do povo mais simples (da periferia) que se torna mais doloroso ao entardecer em virtude do término da extração do ouro, quando a cidade entra em declínio. Talvez porque nesse horário, os trabalhadores voltassem das minas, o que não mais acontecia.
Com o dia se vai a glória do ouro, o passado. Com a noite que chega, a cidade se sente pobre, mas gloriosa por não ter perdido sua essência. Também pode-se depreender que esse dia e noite podem estar relacionados com o fato de “Vila Rica” transformar-se em “Ouro Preto” do dia para a noite ou vice-versa. O poeta traça um paralelo do ouro com o sol; do declínio da cidade com o crepúsculo, a cidade vivia da extração do ouro, sem ele as pessoas não teriam como sobreviver. O poema apresenta uma sonoridade, como por exemplo, o badalar do sino sugerido pelos sons nasais e pelo “g” no 1° verso da 2° estrofe. A luz do sol e do ouro das minas e do negro da noite do passado e do próprio nome da cidade deixam implícita a idéia cromática do ouro.
A 3° estrofe sugere um céu enegrecido, como um ouro que envelheceu e o tempo retirou-lhe o brilho. O ouro, a riqueza se foi, mas “Vila Rica” fica na história.
Há um contraste entre as idéias de:
Dia X noite
Riqueza X pobreza
Passado glorioso X presente humilde
Ouro preto X ouro dos astros
Na última estrofe do poema “Vila Rica” há uma analogia desta que ficou empobrecida, com o poema Marília de Dirceu, especialmente, de uma lira da segunda parte, na qual um pastor se dirige a Marília narrando como sua vida próspera e respeitosa fora interrompida por um acidente catastrófico e compara a situação anterior de abastança e felicidade com a atual, de privação e angústia, possível causa do soluço. Ainda no “Soluça” do verso de Dirceu há a repetição do som “S” na última estrofe, lembrando um choro, sugerindo ao mesmo tempo os sofrimentos amorosos de Marília e Dirceu e o dos inconfidentes mineiros. Dentro do estilo simbolista, o destaque de palavras em maiúsculas é bastante freqüente e serve para indicar sua elevação à categoria absoluta, como no caso de “Soluça”.
Ainda nessa, o poeta evidencia que o povo todo (procissão espectral) está consternado com a perda, as pessoas seriam como fantasmas, andam atônitas cuja morte já lhes fora anunciada, o desemprego e tudo que este possa retirar-lhes. Restou sobre Ouro Preto a chuva não de ouro que existia na velha Vila Rica, mas de água que representa o ouro dos astros.
As reticências indicam que o poeta deixou implícita e inacabada uma mensagem que o leitor deverá interpretar. Creio ter feito isso.