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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Ver e ouvir, sem brincar

Odete Soares Rangel


Ninguém pergunta mais:
--Você vai brincar no carnaval?
Brincar, irmão, quem pode brincar
se perdida foi a idéia de brinquedo?
Alguns ainda perguntam:
--Como é? Vai pular no carnaval?

Então é isso a festa: um pulo
e outro pulo e mais outro? Neste caso,
campeoníssimo seria o João do Pulo.
O que ouço dizer é simplesmente:
--Vai ver o carnaval?
Conclusão, anos 80:
Carnaval
é o visual.

Você não brinca mais,
nem mesmo pula mais
na rua hoje deserta, no salão
onde um suor se liga a outro suor
e ar condicionado é falta de ar.
Que pode o folião? Acaso existe ainda,
e funciona, essa palavra folião?
Folia, antiga dança rápida
que o adufe acompanha, no dizer
de sábio, antigo, dicionário.
Quem me dança a folia, quem folia,
quem fol ou fou, folâtre, folichon, folle,
fool, pratica o foliar?

Ah,sim, o sambista e sua escola
foliando para turistas e a distinta
Comissão Julgadora.Pontos!Pontos!
Quesitos mais quesitos!Briga feia
nessa programação oficial
que garimpa e governa o carnaval.
Foliam para os outros.Não foliam
pelo gosto
pela graça,
pelo orgasmo de foliar, loucura santa,
desabrochar do corpo em rosa súbita,
em penacho, batuque, diabo, mico,
chama, cometa, esguicho, gargalhada,
a cambalhota em si, o riso puro,
o puro libertar-se da prisão
que cada um carrega em sua liberdade
vigiada, medida, escriturada.

Então pego um sobra, vou olhar
ouvir
a cor, o som, o balancê padronizado
que rioturisticamente se oferece
ao mercado da vista e dos ouvidos.
Eu vejo, não me integro,
não participo, não sou o grande todo,
nem o grande todo é o mesmo todo e tudo.
Entre o olho e o desfile
a arquibancada corta o meu impulso
de ser um com eles, ir com eles
pela rua afora,
pelo sonho afora.

A rua, onde ficou
a velha rua, seu espaço de brincar,
seu aberto salão a céu aberto,
sem entrada paga, sem cambistas
e fiscais?
O carnaval é rua, não teatro,
não show, produto industrial
monumental
a ser consumido numa noite
de lenta evolução
e classes divididas
pelo respeitável, público pagante.
Como comprar, como pagar
o que não tem preço e chama-se
alegria?



ANDRADE, Carlos Drumond de. Amar se aprende amando.  Ed. Record, Rj 22ed.   16.11.1980. P. 159-60

O carnaval de 2012 acabou. Muita gente se divertiu, mas na divulgação das notas pela Comissão julgadora, houve quem partisse para a selvageria quando viu sua escola de samba perder.  Foi a cena lamentável que vimos no carnaval de São Paulo. 

Drumond está certo. Ele descreve o carnaval como um evento para se divertir, um momento até tolo de pular, mas que perdeu suas características, sua identidade cultural para se tornar numa coisa pomposa e odiosa,  no ver quem brilha e pode mais. Ele faz uma crítica a transformação do carnaval num produto industrial, onde apenas os pagantes podem usufruir desse divertimento. Mas na verdade, eles não se divertem, porque alegria não se compra, está dentro de cada um de nós.  

Que o carnaval volte a ser aquela festa com muitos foliões, pessoas em busca de divertimento, de brincar dançando, de se alegrar até o sol raiar.  

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