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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Síntese da obra “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector

  Odete Soares Rangel      

Na obra A Hora da Estrela, o enredo é bastante simples, com pouca ação e alguns personagens.

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A protagonista é uma feia moça nordestina, muito pobre, simplória, ignorante, mas que aos olhos do narrador é rica em peculiaridades. Ela possui 19 anos, Macabea é seu nome, o qual lhe foi dado em razão de uma promessa feita a Nossa Senhora da Boa Morte para que ela “vingasse”. Essa moça vive no Rio de Janeiro e compartilha, num velho sobrado, a vaga de um quarto modesto, com mais quatro moças, todas de nomes Marias e todas balconistas das Lojas Americanas.


Macabea trabalha como datilógrafa em uma representação de roldanas. Viera para o Rio e morava com a tia beata que a criara desde a morte dos pais, aos dois anos de idade, no sertão de Alagoas, sua cidade natal. Mais tarde, foram morar em Maceió e, depois, mudaram-se para o Rio. Só após a morte da tia é que Macabea vai viver no quarto da Rua do Acre.

Os fatos propriamente ditos começam a ser narrados quando a nordestina recebe de seu chefe, Raimundo Silveira, (por quem ela estava secretamente apaixonada) o aviso de que seria despedida por incompetência. Aceitou o fato com humildade, isso fez com que o chefe se compadecesse dela e não a demitisse imediatamente.

Logo depois disso, num final de tarde chuvoso, do dia 7 de maio, Macabea encontra, por acaso, um rapaz também nordestino chamado Olímpico de Jesus, com quem inicia uma espécie de namoro. Esse relacionamento, porém, dura pouco, uma vez que ele era um operário ambicioso e de maus antecedentes, acaba trocando-a por Glória, sua colega, com quem ele acha que terá mais chances de "subir na vida", já que ela era mais bonita e mais esperta que Macabea.

Glória, sentindo-se meio culpada por ter roubado o namorado da colega, sugere a Macabea que vá a cartomante Madame Carlota, sua conhecida. Para isso, empresta-lhe dinheiro e assegura-lheque terá sucesso na conquista de outro namorado. Macabea vai, então, à cartomante, que, primeiro, lhe faz confidências sobre seu passado de prostituta; depois, após constatar que a nordestina era muito infeliz, prediz-lhe um futuro maravilhoso, no qual ela deveria casar-se com um belo homem loiro e rico, o estrangeiro Hans, que lhe daria muito luxo e amor.

Macabea sai da consulta encantada com a felicidade que a cartomante lhe previu , e começa a sentir-se abençoada pela sorte. Ao descer a calçada para atravessar a rua, ela é atropelada por um luxuoso Mercedes amarelo. E a morte vem lentamente, enquanto o narrador vai fazendo divagações e reflexões filosóficas, às vezes metafóricas, sobre Macabea, sua vida, seu destino, e sobre seu próprio ato de narrar, cuja incapacidade do narrador não evitou a morte da personagem.

Enfim, tendo se acomodado fetal, Macabea morre. Pode-se depreender que é através da morte que essa pobre e infeliz criatura de "corpo cariado" e "útero murcho", que queria ser "artista de cinema", vai encontrar a sua hora de estrela.

E, morrendo Macabea, morre o próprio narrador, Rodrigo S.M. Ao longo de toda a narrativa, a identificação e o envolvimento de Rodrigo com sua personagem é um dos pontos alto da história, tornando-se ele a própria consciência que Macabea não possuía.

Entre os personagens, podemos citar:

Rodrigo S.M. , o narrador e um personagem importante do relato. Representa, a própria Clarice, com seus mistérios, suas interrogações, sua preocupação constante em mergulhar profundamente na interioridade do ser humano. Ele inicia o livro justamente fazendo reflexões e indagações sobre a existência e sobre o ato de escrever. Apresenta-se, depois, justificando por que a história terá de ser contada por um narrador homem e dizendo que decidiu escrever sobre a moça porque "numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o sentimento de perdição no rosto de uma moça nordestina".

Macabea, a protagonista, uma moça nordestina (alagoana) de 19 anos, que vivia sem família, pobre, desleixada e subempregada no Rio de Janeiro. Era tão alienada e inconsciente, não sabia nem mesmo que era infeliz.

Olímpico de Jesus - o primeiro e único namorado de Macabea. Nordestino da Paraíba, já havia cometido um crime e estava no Rio trabalhando como metalúrgico. Ambicioso e sem escrúpulos de honestidade e decência, pretendia ser deputado. Adorava ouvir discursos e sabia desenhar caricaturas.

Glória - colega de trabalho de Macabea. Loira oxigenada, embora não fosse bonita, era bem alimentada e "amaneirada no bamboleio do caminhar por causa do sangue africano escondido". Isso e o fato de ser filha de açougueiro constituíram atrações para que o ambicioso Olímpico a escolhesse, rompendo com Macabea.

Madame Carlota - a cartomante. Ex-prostituta e ex-cafetina, era "fã de Jesus" e gostava muito de comer bombons. Prevê dinheiro grande e marido estrangeiro para Macabea.

Entre outros personagens, de menor importância, estão as quatro Marias funcionárias das lojas Americanas e seu Raimundo, o chefe de Macabea.

O grande crítico Massaud Moisés diz, a respeito da obra de Clarice Lispector, que "a personagem única, ou predominante, da ficção da autora é ela própria. Romances do "eu", contos do "eu", eis o que são as suas obras: fictício, ou construído, suposto ou imaginário, 'verdadeiro' ou 'real', não importa, é o 'eu' da ficcionista. O 'eu' da autora constitui para si próprio um enigma, e para desvendá-lo, põe-se a (re)escrever os textos em que se manifesta, como se outro destino não tivesse. Em A Hora da Estrela, podemos ver Clarice transfigurada em Rodrigo S.M. e também, de certa maneira, na nordestina Macabea, com quem o narrador se identifica por várias razões, como, por exemplo, pelo fato de ele (=Clarice), quando menino(a), ter vivido no Nordeste.

Embora a crítica considerasse a ficção de Clarice excessiva ou exclusivamente interiorizada, cheia de mistério, abstração, considerações e indagações filosóficas de caráter intimista, a própria Clarice declarou que, intimamente, tudo o que escreve está ligado à realidade em que se vive. Esse engajamento ao social está presente na obra A hora da estrela, em cuja historia Macabea representa todos os perdidos retirantes nordestinos que se movem, alienadamente, numa metrópole como o Rio de Janeiro..

O relato se faz todo em primeira pessoa. O enredo parece ser apenas um pretexto para que Rodrigo exponha suas reflexões e indagações sobre si mesmo, sobre o sentido da vida, sobre o ato de escrever e o valor da palavra. Ele declara amar e compreender Macabea, embora suas contínuas interrogações sobre ela denotem que ele, apenas, acompanha a trajetória dela, parece desconhecer seu destino final e torce para que não lhe aconteça o pior.

A linguagem narrativa de Clarice é, às vezes, intensamente lírica, apresentando muitas metáforas e outras figuras de estilo. Ela utiliza alguns paradoxos e comparações insólitas, que surpreendem o leitor, bem como a construção de frases inconclusas e outros desvios da sintaxe convencional, além da criação de alguns neologismos. A metalinguagem está presente na discussão do narrador sobre a palavra e o fazer narrativo. Interessante notar que, antes de iniciar a narrativa e logo após a "Dedicatória do autor", aparecem os treze títulos que teriam sido cogitados para o livro.

Embora a história de Macabea seja profundamente dramática, a narrativa é toda permeada de humor e ironia. O próprio nome da protagonista que lhe foi dado por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte para que ela vingasse, constitui-se numa tragicomédia.

A história se passa no Rio de Janeiro, com referências breves ao Nordeste, região onde viveram Macabea, Olímpico e o próprio narrador. Quanto ao tempo, o narrador diz que ele e Macabea viveram exclusivamente no presente, que o dia de amanhã será um hoje e que a eternidade é o estado das coisas no momento presente. Mais adiante, diz ainda; "Tudo isso acontece no ano este que passa e só acabarei esta história difícil quando eu ficar exausto da luta, não sou um desertor (p.40).