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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Ferreira Gullar abandona sua arte aos 86 anos


Ferreira Gullar
http://escolaeducacao.com.br/melhores-poemas-de-ferreira-gullar/
Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira, foi um escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro e um dos fundadores do neoconcretismo. ( Wikipédia)

Ele nasceu em 10 de setembro de 1930, em São Luís, no Maranhão e nos deixa na data de 04 de dezembro de 2016.

Em geral, suas imagens são sérias e introspectivas, como se estivesse sempre criando mentalmente. E acho que fazia isso mesmo, seu olhar holístico sobre a vida, lhe trouxe criações incríveis, muitas delas com denúncias sociais importantes.

Ferreira Gular foi um literato excepcional. As palavras brotavam e se aglutinavam tão espontaneamente, e suas criações são tão singulares.

Em 2014, ele foi eleito imortal da Academia Brasileira de Letras, ocupando a Cadeira de número 37, que havia pertencido ao escritor Ivan Junqueira (morto nesse ano). 

Vamos lembrar alguns dos seus poemas mais importantes, esses sim cabem na mente das pessoas. Eles são contemporâneos, representam bem o que a sociedade menos favorecida vive no momento atual, quem era o poeta e o que a sua arte representa para nossa literatura, em todos os tempos.

E que a moça de sonho e de neve acompanhe-o na sua nova morada.

"(...)Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar. (...)"

Não há vagas (Ferreira Gullar)

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
MINHA MEDIDA (Ferreira Gullar)


Meu espaço é o dia
de braços abertos
tocando a fímbria de uma e outra noite
o dia
que gira
colado ao planeta
e que sustenta numa das mãos a aurora
e na outra
um crepúsculo de Buenos Aires
Meu espaço, cara,
é o dia terrestre
quer o conduzam os pássaros do mar
ou os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil
o dia
medido mais pelo pulso
do que
pelo meu relógio de pulso
Meu espaço — desmedido —
é o nosso pessoal aí, é nossa
gente,
de braços abertos tocando a fímbria
de uma e outra fome,
o povo, cara,
que numa das mãos sustenta a festa
e na outra
uma bomba de tempo.

Meu povo, meu poema (Ferreita Gullar)
Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova
No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta

Traduzir-se (Ferreira Gullar)

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

Aprendizado (Ferreira Gullar)

Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.