PLAYLIST

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Perguntas de um trabalhador que lê

Odete Soares Rangel


Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros consta os nomes de reis.
Os reis arrastaram os blocos de pedras?
E a Babilônia tantas vezes destruída
Quem a ergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro
Moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros
Na noite em que ficou pronta a Muralha da China?
A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os levantou? Sobre quem triunfaram os césares?
A decantada Bizâncio só tinha palácios
Para seus habitantes?
Mesmo na legendária Atlântida, 
Na noite em que o mar a engoliu, 
Os que se afogavam gritavam pelos seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os gauleses
Não tinha pelo menos um cozinheiro consigo? 
Felipe de Espanha chorou quando sua Armada naufragou. 
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a guerra dos sete anos. 
Quem venceu, além dele?
Uma vitória em cada página.
Quem cozinhava os banquetes da Vitória?
Quem pagava suas despesas?
Tantos relatos.
Tantas perguntas.
(Bertolt Brecht - Poemas).
Esse poema me conquistou e, ainda,  não sei bem a razão. Talvez porque tendo sido uma trabalhadora por muitos anos, e ter vivenciado situações muito parecidas, nas quais aparecem os nomes da Administração maior, mas são os colaboradores que fazem as coisas acontecer. É o trabalho de equipe que produz os melhores resultados.
Foram os trabalhadores que pegaram no pesado, que construíram pedra sobre pedra. Mas quem eram eles? Quais eram seus nomes, tinham família,  eram saudáveis, eram lembrados em datas importantes,  ganhavam um bom salário, eram sindicalizados, possuíam condições ideais de trabalho?
Penso que o autor quer mostrar a  realidade Maquinal  do trabalhador. É essa máquina humana que constrói, que cria,   que sofre. Mas ao final da obra construída, como ao final de uma peça de teatro, sua figura fica atrás da cortina, anônimo. A diferença é que na peça de teatro os atores são gente, são lembrados por suas atuações e cada ato está vinculado ao seu executor. No poema, fica a história contada por reis e imperadores, mostrada ao mundo como grandes feitos seus. 


E ficam os relatos históricos que geram heróis, quando os verdadeiros heróis são os homens trabalhadores. Dai a razão de tantas perguntas! O que parece demonstrar o inconformismo desse trabalhador letrado, com a situação da sua classe trabalhadora. Fica o eco de sua voz no vazio! Continuam as perguntas sem respostas! 

Nenhum comentário: