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sábado, 23 de abril de 2011

Vila Rica parnasiana de Olavo Bilac

Odete Soares Rangel

https://www.google.com.br/imgres?imgurl=http%3A%2F%2F
www.resumoescolar.com.br
O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre.
O último ouro do sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece
Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move…
Dobra o sino… Soluça um verso de Dirceu…
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.


Para se pensar esse soneto, vale lembrar que a Vila Rica do século XVIII, era a antiga denominação da cidade de Ouro Preto, cujo desenvolvimento deveu-se à mineração, principalmente, em torno das igrejas e confrarias. Essa corrida pelo ouro provocou um aumento populacional, inclusive, com a afluência de artistas e artesãos europeus contratados para construir monumentos, especialmente, igrejas que marcavam o súbito enriquecimento.

Na 1° estrofe do soneto, significa que o ouro encontrado era fruto do acaso, pois muitos o procuravam e não tinham a sorte de encontrá-lo. E que o fato acontecera num passado distante em que o ouro era tão abundante, que foi amplamente utilizado, inclusive, para adorno de casas e igrejas, cuja ornamentação relembra o fausto religioso da opulenta Vila Rica.

O poeta faz uma analogia com o corpo, pois este é que sangra, vê a terra também ferida pela extração do ouro. A ambição das pessoas pelo ouro era tão gigantesca que não mediam conseqüências para extraí-lo. Supõe-se que a extração do ouro foi a causadora da decadência da cidade. Ela deixou marcas na terra, como por exemplo, a erosão, a questão da contaminação com o mercúrio que ficaram como cicatriz. Por outro lado, cicatriz também pode ser identificada com a perda das riquezas, do poder de dominação, que empobreceram a cidade, mas não destruíram sua essência e seu glamour. A cidade  ficou na história e na memória das pessoas, seu tempo de brilho não se apaga. O passado deve ficar emoldurado para sempre.

A 2° estrofe denota o choro do povo mais simples (da periferia) que se torna mais doloroso ao entardecer em virtude do término da extração do ouro, quando a cidade entra em declínio. Talvez porque nesse horário, os trabalhadores voltassem das minas, o que não mais acontecia.

Com o dia se vai a glória do ouro, o passado. Com a noite que chega, a cidade se sente pobre, mas gloriosa por não ter perdido sua essência. Também pode-se depreender que esse dia e noite podem estar relacionados com o fato de “Vila Rica” transformar-se em “Ouro Preto” do dia para a noite ou vice-versa. O poeta traça um paralelo do ouro com o sol; do declínio da cidade com o crepúsculo, a cidade vivia da extração do ouro, sem ele as pessoas não teriam como sobreviver. O poema apresenta uma sonoridade, como por exemplo, o badalar do sino sugerido pelos sons nasais e pelo “g” no 1° verso da 2° estrofe. A luz do sol e do ouro das minas e do negro da noite do passado e do próprio nome da cidade deixam implícita a idéia cromática do ouro.

A 3° estrofe sugere um céu enegrecido, como um ouro que envelheceu e o tempo retirou-lhe o brilho. O ouro, a riqueza se foi, mas “Vila Rica” fica na história.

Há um contraste entre as idéias de:

Dia X noite
Riqueza X pobreza
Passado glorioso X presente humilde
Ouro preto X ouro dos astros

Na última estrofe do poema “Vila Rica” há uma analogia desta que ficou empobrecida, com o poema Marília de Dirceu, especialmente, de uma lira da segunda parte, na qual um pastor se dirige a Marília narrando como sua vida próspera e respeitosa fora interrompida por um acidente catastrófico e compara a situação anterior de abastança e felicidade com a atual, de privação e angústia, possível causa do soluço. Ainda no “Soluça” do verso de Dirceu há a repetição do som “S” na última estrofe, lembrando um choro, sugerindo ao mesmo tempo os sofrimentos amorosos de Marília e Dirceu e o dos inconfidentes mineiros. Dentro do estilo simbolista, o destaque de palavras em maiúsculas é bastante freqüente e serve para indicar sua elevação à categoria absoluta, como no caso de “Soluça”.

Ainda nessa, o poeta evidencia que o povo todo (procissão espectral) está consternado com a perda, as pessoas seriam como fantasmas, andam atônitas cuja morte já lhes fora anunciada, o desemprego e tudo que este possa retirar-lhes. Restou sobre Ouro Preto a chuva não de ouro que existia na velha Vila Rica, mas de água que representa o ouro dos astros.

As reticências indicam que o poeta deixou implícita e inacabada uma mensagem que o leitor deverá interpretar. Creio ter feito isso.

35 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom! Esclareceu muito @_@

Odete Rangel disse...

Boa noite Anônimo,

Obrigada por seu comentário. Que ótimo, é muito bom ver que o que postamos é útil para alguém. Essa é a razão de postarmos e eu amo literatura.
Hoje ganhei uma biografia de Fernando Pessoa e estou ansiosa para começar a lê-la, Já estou pensando em escrever algo sobre seus heterônimos, não sobre os 127, mas sobre algum aspecto em particular.
Uma ótima noite para você, serás sempre bem-vindo ao blog.

Unknown disse...

Odete, obrigado por sua interpretação deste poema. Precisava justamente disso para fazer um jogral. E esta análise me deu boas ideias. Se eu tirar uma boa nota, pode se considerar parte fundamental do processo.

Obrigado :^)

Odete Rangel disse...

Oi Jackson, obrigada por sua visita ao blog e comentário sobre a minha análise do poema. Eu amo literatura, se eu tivesse tempo faria isso todo o dia.

Você vai tirar uma ótima nota sim, tenho certeza. E sempre que você precisar de algo mais podes me deixar recado pedindo que tentarei fazer com prazer.

Boa sorte no trabalho, e felicidades para você.

Obrigada!

Abraços,

Gabriel Campos disse...

Muito bom trabalho! A análise está bem esclarecedora. Estou juntamente com jackson para fazer o jogral. obrigado pela força, Odete.

Abraços!

Odete Rangel disse...

Oi Gabriel,

Fiquei muito feliz com o esforço de vocês para realizar o trabalho, ainda mais usando minha análise.

Boa sorte, o trabalho vai ser um sucesso!

Se um dia tiverem interesse e tempo existem outras análises de textos e poemas neste blog, como por exemplo As pombas.

Abraços,

contrureis disse...

Nossa muito obrigado !
Me ajudo muito , a interpretação está muito bem elaborada!
Parabens!!

Odete Rangel disse...

Contureis

Obrigada pelo elogio. E pela visita ao blog e comentário. Fico feliz em ter contribuído com a análise.

Abraços,

Anônimo disse...

Sua interpretaçao foi muito ultil Odete, tenho uma prova para fazer e esclareceu bem, abriu minha mente! Valeu mesmo....

Odete Rangel disse...

Que ótimo!
Obrigada a você por sua visita ao blog e gentil comentário.

Abraços, boa prova!

Anônimo disse...

Ocaso significa "por do sol" e não acaso

Odete Rangel disse...

Agradeço sua contribuição, mas não cometeria esse erro com o significado de ocaso e acaso.

Creio que numa leitura rápida você não me entendeu ou eu não me fiz entender. O que quis dizer foi que poucos encontravam por ACASO o ouro nas minas, embora muitos o ambicionasse e o procurasse. O que não quer dizer que você concorde com meu ponto de vista. Isso é o legal da literatura, cada um faz a sua leitura.

Obrigada a você pela visita ao blog e comentário.

Tenha uma ótima noite!

Anônimo disse...

Ocaso é diferente de acaso

Odete Rangel disse...

Agradeço sua contribuição, mas sei perfeitamente a diferença de significado entre ambas as palavras.

O que eu quis dizer nessa análise foi que poucos encontravam por ACASO o ouro nas minas, embora muitos o ambicionasse e o procurasse. O que não quer dizer que você concorde com meu ponto de vista. Isso é o legal da literatura, cada um faz a sua leitura.

Mas creio que numa leitura rápida lhe passou despercebido esse contexto. Ou quem sabe não me fiz entender.

Obrigada a você, tenha uma ótima semana

Anônimo disse...

O que mais se sobressaí no poema?

A - a visão do homem infeliz.
B - o aspecto descritivo e a lembrança de um passado histórico.
C - a descrição de um ambiente fictício.
D - um retrato valorizador da fé humana.
E - um aprofundamento de um mistério humano.

Ficarei grata se puder ajudar, obrigada!

Odete Rangel disse...

Eu fico com sua alternativa B, por entender que é a que mais se aproxima do soneto. Bilac costumava voltar-se para fatos históricos. Nesse soneto, ele faz menção ao declínio do Ciclo do Ouro (séc. XVIII). O eu-lírico aborda esse declínio num tom melancólico e de lamentação.

Obrigada por sua visita e comentáriio.

Abraços a todos,

Unknown disse...

Teria como voce explicar a relação entre as aliterações e as sugestões cromáticas - especialmente o negro e o ouro - com o conteúdo dos versos. ?
Obrigado.

Odete Rangel disse...

Olá Bruno,

Estou com um projeto e sem muito tempo para dedicar-me ao blog.
Além do que já disse nos dois posts sobre esse soneto, há muito o que falar sobre ele, vou tentar sintetizar para atender seu pedido. Há muitas sugestões sonoras (o baladar do sino sugerido pelos fonemas nasais, assim como pela aliteração do (ge) no 1º verso da 2ª estrofe. As sugestões cromáticas na palavra ouro penso que se refira a luz do sol e do ouro das minas, enquanto que negro se refira a escuridão da noite, do passado e do próprio nome da cidade de Ouro Preto que mudou do dia para a noite.
Através de imagens visuais, Olavo evoca o passado histórico de Vila Rica, cuja oposição se fixa na opulência da época do ouro fulvo, à decadência do presente (OURO QUE O TEMPO ENEGRECEU).

Semana passada li uma análise desse soneto e penso que ela pode ajudar você . Você a encontrará no site abaixo indicado, leia-a, está muito legal.

http://www.humanas.ufpr.br/portal/eventos/semanadeletras/trabalhos/ouro_preto_cadernos.doc.

Espero tê-lo ajudado. Boa sorte!

Abraços,

Unknown disse...

Mim ajudou muito, pois estava com muitas duvidas sobre o poema.

Odete Rangel disse...

Que bom Jessica, as leituras que podemos fazer são muitas, desde que não fujamos do tema. Então as vezes fica-se em dúvida mesmo.

Obrigada por sua participação no blog.

Abraços a todos,

Anônimo disse...

MUITO BOM!
OBRIGADO..

Odete Rangel disse...

Boa noite anônimo(a),

Obrigada a você pelo feedback.

Ótima semana a todos,

Unknown disse...

Odete tem como você me apontar todos os verbos dessa poesia?

Odete Rangel disse...

Bom dia,

Você vai usar para algum trabalho de escola? Posso sim, são eles:

Cobre, Sangram , abriu, brilha, plange, dobre, morre, amortalhando, cai, parece, enegreceu, roçando, cicia, move, dobrar, soluça, chove.

Obrigada pela visita ao blog, convido-o a seguí-lo e indicar o blog para seus amigos, caso seja do seu interesse. (http://odeter.blogspot.com.br/)

Abraços a todos,

Unknown disse...

Nossa muito obrigado tava com dificuldade nesse poema,muito obrigado Odete você fez uma ótima interpretação obrigado

Odete Rangel disse...

Boa noite Rafael,
obrigada a vc pelo feedback e visita ao blog.
Se for do seu interesse passe para seus amigos, e convido-os a seguir o blog.
Abraços a todos,

Flavio disse...

Incrível sua análise do poema. Confesso que deve-se ter o dom para analisar essas complexas obras (ao meu ver, que sou leigo na área).

Obrigado, me ajudou muito!

Odete Rangel disse...

Olá Flavio Teodoro,

Muito obrigada a você também pelo feedback, é muito bom ver nosso trabalho valorizado.

Fico feliz que tenha ajudado você!

No começo queria trabalhar sempre com intertextualidade e falar da obra inteira, isso é muito difícil. O bom é pegar uma tópico da obra e deixar fluir sem fugir das técnicas, do contexto e do foco.

Abraços a todos,

Anônimo disse...

Boa noite!
A análise do tópico 1 está errada, pois "ocaso" significa "pôr-do-sol", e não "acaso" como está retratado.

Anônimo disse...

Que cores ganham destaque? Como o conteúdo histórico é tratado? Ficarei grata se puder ajudar...

Odete Rangel disse...

Bom dia Anônimo,

As respostas que busca estão nos comentários, sugiro a leitura ok. Mas ainda assim, as cores primordiais são o amarelo do ouro, e a cor enegrecida do ouro.(fulvo = amarelo tostado, alourado). Também o vermelho(sangra).

Muitas outras podem ser citadas, dependendo do objetivo da análise, têm as cores da terra, crepúsculo, cerro (montanha), céu, neblina, chão, cerração.

Boa sorte no seu trabalho!

Abraços a todos!

Vini disse...

Bom dia Odete,
Esse seu blog é maravilhoso, me ajudou muito nos meus estudos de literatura para as avaliações do colégio. Se possível continue postando os seus conteúdos a respeito da literatura, você é excelente, de fato!
Atenciosamente
Vinícius

Valeu por tudo :)

Soltando o Verbo, um pouco de tudo disse...

Bom dia Vinicius,

Obrigada por visitar o blog e por seu gentil comentário. É muito bom receber esse feedback. Se desejar, siga o blog e passe para os amigos.

Grande abraço,

Odete

Anônimo disse...

Como o conteúdo histórico é tratado?

Odete Rangel disse...

Bilac faz alusão ao declínio do Ciclo do Ouro - séc. XVIII. Naquela época, a extração e a exportação do ouro eram a base da economia do Brasil colônia. Vila Rica, atual Ouro Preto, era considerado um dos mais importantes locais de mineração. Creio que num tom melancólico e de lamentação pela exploração, a descrição da paisagem impressiona os sentidos, fica a lembrança de um passado histórico.

Abraços a todos,