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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A criança "A" em "The Scarlet Letter"

Odete Soares Rangel

wordforteens.com 
The Scarlet Letter (A Letra Escarlate) é uma produção de Nathaniel Hawthorne, em 1850. No texto, a vida é centrada na sociedade puritana com toda a rigidez daqueles tempos.

A trama do romance é sobre a adúltera Ester Prynne, a qual tentou viver sua vida, seguindo seu livre arbítrio, e  à luz da severidade do caráter puritano, mantendo um relacionamento extraconjugal com o reverendo Dimmesdale. Por essa transgressão, foi punida a usar a letra "A" escarlate no peito enquanto vivesse, embora algumas pessoas julgassem que a morte seria a correta punição para o caso.

Deus deu a ela Pérola, uma linda menina, pura representação do seu pecado e produto do seu desejo. Ironia ou não do destino, Ester tinha a obrigação de manter e proteger sua filha.

Segundo Paul Simon, no ensaio The effects of Sin in Puritan Society, o romance de Hawthorne expressava um conflito entre o Classicismo e o Romantismo, durante a década de 1850. Enquanto o Classicismo enfatizava o estilo clássico de escrever num tom tradicional e desapaixonado, o Romantismo idealizava o fluxo espontâneo da paixão.

Hawthorne nasceu na  Nova Inglaterra,  assim conhecia bem os hábitos puritanos e as consequências dos atos julgados incorretos.

De acordo com Marcos Cunlife (1986), palavras como símbolo, emblema, moral e imagem estavam entre as favoritas do autor. Isso justificava o símbolo usado por Ester e o adultério como tema do romance. E, também, que Hawthorne escrevia sobre o homem individual, por vezes isolado, por vezes, rodeado por uma multidão. Isto pode ser representado por Ester e Dimmesdale, e o mesmo homem como parte da sociedade, representada pelos habitantes que queriam punir ela.

De acordo com Ricahrd Roland e Malcolm Bradbury (1991), adultério era o tema assombrador da ficção, na metade do século XIX. Naquele tempo, as vozes feministas desejavam mudar a posição da mulher na sociedade e o autor era solidário e favorável às suas reivindicações. Em suas obras, ele se mostrava preocupado com a opressão da mulher pela sociedade. As mulheres fortes são caracterizadas, principalmente, pela dignidade e pelo orgulho. Ester tinha essas qualidades e as demonstrou quando subiu no cadafalso para ser sentenciada, enfrentou a multidão e a sociedade puritana.

Segundo Arthur Miller no ensaio The Crucible Struggles in the Play (…), o papel da criança na sociedade puritana era ser obediente, ficar fora do caminho. Talvez por essa razão, Pérola não fosse descrita como uma garota adorável, com boas ações, mas sim como uma pessoa má e diabólica, de quem as outras queriam manter-se afastadas, livrar-se.

Provavelmente, esse seja o motivo, pelo qual, ela desapareceu ao final do romance. Meu objetivo neste ensaio é analisar o papel da garota na trama, porque a personalidade dela impressionou-me muito. A denominei de “A criança A”, porque o primeiro objeto que Pérola visualisou quando veio ao mundo foi essa letra no peito da mãe. Esse símbolo sempre esteve presente na sua vida e foi a causa da sua exclusão na sociedade.

Ester sentia-se envergonhada, usou Pérola nos braços para proteger-se escondendo a letra A escarlate usada no vestido. Ela reconhecia em Pérola o signo da sua desonra, desse pecado ela não poderia ser absolvida. Mas movida pela paixão que sentia, segurou-a nos braços e, confiante, enfrentou a multidão. Ela acreditava que a paixão era imortal e suficiente para alimentar sua alma, com essa força poderia enfrentar as adversidades da vida.

Pérola nasceu numa sociedade puritana. Era rejeitada por ser considerada uma criança nascida do pecado. Em todos os lugares, as pessoas zombavam dela e de sua mãe, apontavam-na como alguém demoníaco e olhavam o estigma no peito de Ester. Pérola foi confundida com a mãe pecadora, a qual deveria ser punida para redimir sua alma. Ela sendo filha do pecado, pecadora seria. Supõe-se que desejavam a mesma punição para a menina.

Ester privou Pérola de ter um pai,imprimiu nela o sentimento de não ter uma identidade, assim ela não era considerada uma criança normal e não podia viver entre os cristãos.

Durante um discurso inflamado de Dimmesdale, Pérola olhou fixamente para ele e estendeu-lhe os braços, era como se dissesse olha pra mim, eu estou abandonada, eu necessito ser criada com cuidado e amor. Você é meu pai, então me ame. Entretanto, ela ainda não sabia que ele era seu pai. Ele  era um egoísta e um covarde, após cometer o pecado, omitiu-se da paternidade e de toda a responsabiliade em relação ao fato, transferindo-as para Ester.

Pérola adoeceu, Ester perdeu o controle e quase a agrediu. Contudo seu marido que não queria vingança contra ela e a menina, e poderia representar um perigo eminente, tratou de Pérola e a curou. Ele não poderia culpá-la, nem fazê-la pagar pelos erros da mãe, então ele a protegeu. Ele foi mais pai do que Ester fora mãe. Ele queria vingar-se de Dimmesdale, pois este roubou-lhe o amor da mulher e a oportunidade de ter uma filha e uma família.

A rígida moral Puritana via o nascimento de Pérola como um erro, não como a celebração de uma vida. Seu próprio nome, Pérola, nos leva a inferir que Ester a considerava um tesouro, mas ao mesmo tempo, uma batalha emocional. A menina podia ser comparada com um objeto de estimação, uma jóia rara na vida de Ester, algo tão valioso e secreto que ela não queria revelar ao mundo. Ela era um icone muito forte entre Ester e Dimmesdale, um laço sanguíneo como a letra que ambos usavam (ela na roupa, ele no corpo). Esse símbolo, que os unia, era a marca do pecado que cometeram, pelo qual deviam ser punidos. E, sendo mortais, um dia morreriam, mas Pérola, o produto da sua paixão, sobreviveria  e daria continuidade a existência.

Pérola parecia um anjo. Ester custava a crer que esse ser tão perfeito pudesse se adaptar a esse mundo turbulento em que nasceu. A menina tinha características estranhas, ora se comportava como uma flor selvagem, ora como uma princesa. Dotada de dupla personalidade, pode-se inferir que ela era o resultado da mistura do caráter dos pais, movidos por medo e sentimentos confusos. Face ao comportamento dúbio da filha, Ester  questionava-se se ela realmente seria um ser humano.

Pérola, uma vez gerada do pecado, teria infringido as leis da sociedade, assim era rejeitada entre as crianças cristãs. Mãe e filha sofreram o mesmo processo de exclusão pela sociedade Puritana; pois nesta, as pessoas tinham que ter uma conduta moral ilibada. Pérola absorveu todos os sentimentos conturbados e aflições da mãe durante a gravidez, e, consequentemente, o peso do símbolo da letra A escarlate usada por Ester. Contrariamente  às crianças puritanas que eram comparadas à erva daninha, essas cresceriam mas nunca se tornariam flores ou algo lindo, Pérola poderia ser  comparada a uma pérola, uma bonita jóia.

Pérola não tinha amigos, estava infeliz e parecia estar sempre enfrentando um exército de inimigos, que ela precisava combater e vencer, para sobreviver. Ela era uma criança dinâmica e travessa. Às vezes parecia ser ela mesma, em outras oportunidades, parecia possuída por um espírito do mal.  Ester não conseguia controlar a filha, ela mostrava-se mais poderosa que a mãe. A pureza e a serenidade de Pérola contrastavam com a incontrolável vergonha de Ester. Os vizinhos consideravam Pérola uma criança diabólica.

Ester quando soube que o juiz queria tomar-lhe Pérola, implorou ao governador para deixá-la com ela. A religião e as leis eram aliadas na sociedade puritana. Por essa razão, ambas se uniram na intenção de dar a Pérola uma boa educação, retirando-a dos cuodados da mãe pecadora.  Ester sentiu-se angustiada, porque Pérola não é somente tudo o que ela tem, mas simboliza o fruto da sua paixão, a razão da sua punição.

O símbolo da letra “A” escarlate estava gravado fortemente na mente de Ester. Ela gastou um tempo considerável bordando roupas para Pérola com esse símbolo, pensando nela como objeto de sua afeição, mas ao mesmo tempo, como o emblema da sua culpa e tortura.

Pérola questionou Dimmesdale se ele as amava. Ela tinha necessidade de aparecer com ele e Ester, no meio da multidão, à luz do dia, para mostrar ao mundo que tinha uma família e não compreendia porque isso não era possível. Contudo, ela não sabia que ele era seu pai, mas parecia pressentir que sim. Ela se voltou contra ele, se sentiu ameaçada, pois não queria dividir o amor da mãe com outra pessoa. Quando Dimmesdale a beijou, ela lavou sua face como se o beijo fosse alguma coisa infecciosa ou mesmo perigosa. Ela, provavelmente, pensou que recusando esse beijo, estava recusando a presença dele. Dessa forma, ela teria sua mãe só para ela. Era como se ela dissesse que queria ambos, o pai e o beijo juntos, ou nenhum.

Pérola reclamou de Dimmesdale se esconder entre a população, já que era um desconhecido para eles. Ela tinha certeza de que Ester conhecia o motivo. Quando Pérola viu Dimmesdale meio desfalecido, não reconheceu ele. Ela que tinha recusado seu beijo, agora queria ser beijada por ele em público. Ela tinha necessidade de mostrar ao mundo que tinha um pai, que era uma criança normal, amada e aceita pelas pessoas. Era como se ela dissesse que era fruto do amor dos seus pais, e que onde havia amor havia paz, tudo poderia ser perdoado. Ela não via sua mãe como uma pecadora, mas como uma mulher forte com direito de escolher seu caminho. Na sua avaliação, Ester trouxe-a ao mundo, ela era um ser humano, livre, feliz, tinha pais, sentimentos, acreditava em Deus, então, não poderia ser punida.

Pérola, que até então rejeitava os carinhos de Dimmesdale, desta vez, quando ele a chamou, pareceu ter percebido que seria a última vez e correu para ele, demonstrando todo o seu amor.

O vilão e covarde Dimmesdale, que secretamente, sofria as agonias da sua culpa e vivia angustiado com esse peso, decidiu  revelar ao mundo seu amor por Ester e por Pérola, declarando que ela era sua filha, deixando todos perplexos. Ele só tomou essa decisão para aliviar sua consciência pois sabia que estava morrendo. Pérola o viu convalescendo e o beijou nos lábios, demonstrando que o amava e o havia perdoado. O mistério acabou, suas lágrimas eram uma mistura de tristeza e alegria, agora ela seria uma mulher, num mundo, com o qual não precisaria lutar.

Roger deixou uma herança para ela, mostrando que pai não é apenas o que gera, mas o que ama, cuida, se preocupa com o futuro da criança. Ele revelou-se extremamente generoso, bondoso e altruísta; enfim, o pai que Dimmesdale não soube ser. Ela tornou-se uma mulher muito rica, e mudou-se com a mãe para outro lugar. Ester retornou a Inglaterra, pois este lugar fazia parte da sua história. Ali ela sofreu, mas também foi feliz. Ela voltou a usar a letra A escarlate espontaneamente, pois era o símbolo da sua culpa e paixão. A letra passou a ser sua única companheira, através dela, ela recordava Pérola e Dimmesdale. 

Existiam pistas de que Pérola estivesse viva e feliz, contudo ninguém tinha certeza. Felizmente, Ester alcança um período calmo. Inocentada do seu pecado ela foi reintegrada a sociedade como uma mulher respeitável. A adúltera Ester representou uma mudança na lei moral dos puritanos da Nova Inglaterra.


A austeridade e a discriminação contra a mulher na sociedade puritana podem ser enfatizadas pelo símbolo da letra escarlate A, e Ester internalizou isso, embora nunca tenha concordado com essa condição. A letra A escarlate pode ter diferentes sentidos, sua interpretação vai depender do ponto de vista de cada um e da habilidade de enxergar, identificar e entender isso. No romance, o símbolo vermelho significa sexualidade, paixão, e representa energia e vitalidade, cujas características encontramos em Ester. Em oposição aos tempos puritanos, pode-se dizer que esse tipo de pecado é aceito e tolerado na sociedade atual, assim a situação vivida por Ester no romance não é relevante hoje.

Pérola, nascida do pecado, jamais foi vista como fruto do amor ou que tivesse boas intenções, mas sim como alguém que não merecia consideração. Aos olhos da igreja e da lei, ela era pecadora e deveria ser excluída da sociedade puritana. Pérola se comportava espontaneamente, sem se preocupar com a opinião da sociedade. Ela era uma personalidade bizarra e dinâmica. Durante a história, ela mostrou variações comportamentais, uma personalidade multifacetada e incompreendida.

Pérola era fantástica, fazia somente o que desejava, orientada por sua própria mente. Havia um contraste entre o puritanismo e a sociedade puritana na qual ela cresceu. A extravagância das roupas de Pérola, a insaciável curiosidade, ela quase sempre discordava da ética puritana. Ela testava e desobedecia Ester, implicava com outras crianças. Ela era a figura ideal da criança antipuritana. Pérola era inteligente, demonstrava saber muito mais do que as crianças da sua idade sabiam, mas continuava sem saber sobre a letra “A” escarlate até o final do romance. Ela, frequentemente, nos induz a crer que sabe tudo que nós não sabemos. Ela representa a pureza e a inocência selvagem, apesar das suas maneiras endiabradas.

Ela foi socorrida por Roger quando ficou doente. Isso ocorreu novamente quando ele lhe deu independência financeira. A partir daí ela cresceu e prosperou, mudou para um lugar que todos desconheciam. Acreditava-se que fosse na Europa, que teria casado e vivido feliz, mas que sentia saudades da mãe, para quem enviava muitos presentes caros.

A sociedade, que no início do romance, desprezou Pérola, fez isso novamente no final, fazendo ela desaparecer como visando excluir o mal, e não mais ser contaminada por àquela que julgavam pecadora.

Talvez Pérola representasse uma mulher da nova geração, longe da Nova Inglaterra, com uma chance real de mudar e conseguir se livrar da discriminação. Deste modo, ela representava expectativas de uma vida melhor do que a que sua mãe teve.

O papel de Pérola e Ester faz-nos refletir sobre a responsabilidade de ser mãe e, como podemos tornar nossa vida melhor, enfrentando as pessoas com igualdade, dignidade e sabedoria. Pode-se dizer que elas são vencedoras, pois construíram suas vidas seguindo seu livre arbítrio. Suponho que depois de tanto sofrimento, elas encontraram a paz, colocaram Deus no coração e acreditaram numa nova vida.

Pérola foi a maior vítima do preconceito dessa relação adúltera, pois pagou por algo que não era responsável. Ela não tinha como evitar os problemas, era uma criança inocente. Suas punições iniciaram já no seu nascimento, ela não foi recebida com amor, e suportava toda a angustia e dureza da vida que o rosto da mãe lhe transmitia. Ela conviveu com a falta de serenidade, de sorriso na face da mãe que sofria a opressão de uma sociedade injusta que desejava sua morte. Ao contrário, a visão que Pérola tinha era a da letra “A” escarlate na roupa da mãe, símbolo da sua traição. Pérola era inteligente, mas permaneceu sem pistas sobre a letra escarlate A até o final do romance.

E assim terminou a história de Pérola, a menina "A" marcada pelo pecado que não cometeu, nem tinha responsabilidades. A menina rebelde, debochada, desobediente que transformou-se numa mulher rica, amada pelos pais e revelou-se uma pessoa do bem e amorosa diante da inconsciente, mas temida perda do pai.

Você pode ler sobre o autor no site:
<http://www.britannica.com/EBchecked/topic/257594/Nathaniel-Hawthorne?source=ONTHISDAY>
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Experi%C3%AAncia_de_Hawthorne>

Um comentário:

Odete Rangel disse...

Nas minhas pesquisas encontrei um material interessante sobre as versões da obra The Scarlet Letter.

Se interessar acesse o link http://devaneiosregi.blogspot.com.br/2012/08/the-scarlet-letter-e-suas-versoes.html

Parabéns a autora do blog!